15 m2

Em Campinas (SP) entabulou-se acordo judicial para viabilizar a remoção de famílias, de área ocupada irregularmente, tencionando amenizar os efeitos da diligência de despejo, abandonando os removidos ao léu. Enquanto o poder público municipal, em razão de fatores de ordem técnica e financeira, não puder entregar as unidades habitacionais no formato padrão, de 45 a […]

Por Israel Minikovsky 16 min de leitura

Em Campinas (SP) entabulou-se acordo judicial para viabilizar a remoção de famílias, de área ocupada irregularmente, tencionando amenizar os efeitos da diligência de despejo, abandonando os removidos ao léu. Enquanto o poder público municipal, em razão de fatores de ordem técnica e financeira, não puder entregar as unidades habitacionais no formato padrão, de 45 a 60 metros quadrados, as famílias impactadas pela medida judicial, provisoriamente, ficarão em “embriões habitacionais” de, pasmem, 15 metros quadrados. Além do fundado receio de que o provisório se torne permanente, convenhamos que, residir num imóvel de idênticas proporções, é pesaroso, ainda que por breve período. No Brasil, o problema habitacional é um dos maiores dentro da questão social, tomada como um todo. Guardadas as proporções, se é que faz algum sentido usar algoritmos matemáticos em relação a humanos, seres sociais e conscientes por natureza, uma pessoa abrigada no interior da edificação assinalada pelas medidas geométricas já noticiadas, corresponde a uma ave canora numa gaiola. Em vários países, diga-se de passagem, é crime aprisionar pássaros em gaiolas. Então, se, como fala o evangelho, “valemos mais que muitos pardais”, somos credores de uma dignidade superior àquela concedida aos animais silvestres. Questiona-se até que ponto, por exemplo, essas unidades habitacionais conseguem cumprir o propósito básico de um abrigo, que é proteger minimamente das variações climáticas e atmosféricas. Esses habitáculos se mostram, por definição, incapazes de oferecer privacidade, dignidade, conforto ou bem-estar. Na mesma sociedade em que prosperam os empresários do ramo imobiliário, vendendo imóveis de alto padrão por verdadeiras fortunas, na outra ponta se vê o cidadão comum, desatendido nesta sua necessidade básica que é o habitar. Mais do que exibir e reforçar a lógica econômica capitalista, esse quadro social aponta para as deficiências dos governos, pois não se vislumbra a elaboração racional e detalhada de um plano diretor, desacompanhado de preocupações deste viés. A classe trabalhadora não consegue emprego e fica sem renda. Ou consegue vínculos laborais de baixa remuneração, o que não comporta a assunção de um financiamento habitacional, por menor que seja o valor da parcela. A falta de habitação adequada – quase sempre acompanhada por ausência de saneamento básico – é o lado exterior e visível de uma estruturação econômica que determina relações radicalmente assimétricas. Grosso modo, pode-se dizer que a solução para os problemas no campo é a reforma agrária, e, no caso da cidade, a reforma habitacional. Mesmo porque, os que não têm “eira” na zona rural, acabam indo procurar uma fonte de subsistência na cidade, e nela chegando, veem-se obrigados à segregação nas áreas periféricas, portanto, sem “beira”. Dependendo da condição financeira do viajante, uma diária em hotel de alto nível custa mais do que o valor total desses “embriões habitacionais”. Traço essas comparações apenas para, uma vez mais, despertarmos para a amplitude das variações de renda entre os cidadãos. É bastante cômodo criticar as condições físicas que circundam chineses e cubanos, todavia, devemos olhar mais para nós mesmos. Particularmente, valorizo muitíssimo a liberdade de expressão, a democracia, a livre-iniciativa, a Constituição Federal. Aliás, uma casa de 15 metros quadrados parece não se harmonizar com os pilares fundamentais da Carta Magna. Entretanto, a quem está confinado dentro de míseros 15 metros quadrados, partilhados sabe-se lá por quantos membros da família, o que lhe representam estes ideais filosóficos e jurídicos? O presente governo, coincidente com o terceiro mandato de Lula à frente do Executivo Federal, mostra a devida preocupação com essa conjuntura. E o acerto desta gestão tem a ver não só com o correto diagnóstico, senão também com a solução apresentada: uma economia desenvolvimentista, que gere riqueza capaz de ativar a circulação de dividendos, rompendo com a lógica neoliberal, calcada na financeirização de todas as atividades econômicas, de costas para os reais problemas e interesses da sociedade. Um programa habitacional, de abrangência federal, bem conduzido, resolveria o problema do déficit de habitações e, de carona, alavancaria o setor industrial. Luz!