541 formas de ser louco!
O informativo Extra Classe noticiou, em 17 de dezembro de 2024, que nos dias 5 e 6, do mesmo mês e ano, ocorreu o 8º Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas, no auditório térreo da Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP/Fiocruz, cujo campus situa-se na capital fluminense. O Código Civil de 1916 fazia […]
Por Israel Minikovsky 17 min de leitura
O informativo Extra Classe noticiou, em 17 de dezembro de 2024, que nos dias 5 e 6, do mesmo mês e ano, ocorreu o 8º Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas, no auditório térreo da Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP/Fiocruz, cujo campus situa-se na capital fluminense. O Código Civil de 1916 fazia menção aos “loucos de todo gênero”, ao reportar-se à incapacidade civil, sugerindo que transtorno mental pode abarcar pluralidade de manifestações clínicas. A primeira versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, publicada em 1952, arrola 128 categorias de transtorno. A versão de 2013 realiza um salto para 541 categorias. Há quem se refira a essa inflação tipológica com ironia, alegando que nenhum outro saber, que pretenda revestir-se de cientificidade, realizou uma ascensão tão meteórica. Quanto a esta perquirição, pondero que a psiquiatria tem essa especificidade, a de poder demarcar um quadro clínico partindo de uma descrição puramente conceitual, não tendo que radicar-se diretamente numa etiologia fisiológica. Além disso, o aumento dos problemas de saúde mental forçou a comunidade científica internacional a dirigir uma atenção mais intensa aos casos psiquiátricos. Muito embora, também isso, seja alvo de críticas: é dito que o aumento de acometidos por esses transtornos só cresceu por conta da expansão conceitual promovida e referida a pouco nas alíneas acima, e na exata simetria e proporcionalidade da ampliação da linha que contém as supostas patologias. Fato é que o mundo está mentalmente enfermo. Não obstante trate-se de um fenômeno mundial, o Brasil está entre os países que mais adoecem: 13,5% da população sofre de depressão, e 9,7% apresenta ansiedade. A ideia do seminário seria promover a desmedicalização e a desprescrição. Segundo os organizadores do evento, assim como houve a Reforma Psiquiátrica no século passado, abolindo o manicômio, agora seria a vez de varrer do panorama de saúde as drogas psiquiátricas. Sabemos que existe uma forte mercantilização da saúde e do bem-estar mental, e que os laboratórios de produção de medicamentos lucram bilhões. Essa avidez pecuniária estaria fomentando uma espécie de epidemia de drogas. A reforma deste século, em saúde mental, passaria, portanto, pela desdrogadição. Ao mesmo tempo em que se articulam estes debates, a Comissão de Educação do Senado aprova o Projeto de Lei n. 2.294/2024, de autoria do senador astronauta Marcos Pontes (PL – SP). A iniciativa legal antepõe à inscrição no Conselho de Medicina o requisito prévio da proficiência em medicina que seria aferida mediante aplicação de exame nacional para tal fim. O texto segue agora à Comissão de Assuntos Sociais da mesma casa legislativa. Em que pese o indiscutível mérito da proposta, ela teria, apenas, o condão de diminuir o número de “erros médicos”, que atualmente são designados pela nomenclatura “eventos adversos evitáveis”. Porém, o Exame Nacional de Proficiência em Medicina não traz consigo o poder de revolucionar o “quefazer” dos médicos psiquiatras ou neuropsiquiatras. Assim como a luta antimanicomial transformou muitos pacientes em população em situação de rua, simplesmente mudando o problema de lugar, não fica bem claro como serão compensados os efeitos colaterais da desmedicalização e da desprescrição. As pessoas ficaram dependentes da medicação. Entrementes, o levantamento de dados está correto: as polícias, a assistência social, o Ministério Público e o Judiciário estão percebendo uma mudança de perfil no tráfico de drogas. Não se trafica mais somente as drogas ilícitas, pelo contrário, drogas lícitas, cuja comercialização exige prescrição médica, são ofertadas sem o devido controle. De toda forma, em conversando-se com os usuários destes princípios ativos, indagando-se-lhes a justificativa para o uso, a resposta é a mesma para ambas as espécies de entorpecentes: “preciso ficar mais calmo” ou “necessito reprimir certos pensamentos e a própria consciência pela qual sou esporeado”. Enfim, um número considerável de pessoas precisa drogar-se para conseguir simplesmente estar no mundo. A existência lhes fustiga de vários modos, roubando-lhes a paz. Sônia Regina Bruno de Souza escreveu que “Viver uma vida só com facilidades não tem sentido” e ainda “As adversidades criam os fortes, já as facilidades criam fracos e estes criarão tempos difíceis”. Questão de fraqueza ou de saúde mental? Faz sentido dizer que não existe doença mental? Seria bem-visto um médico cardiologista que dissesse não existir doenças do coração? A negatória redunda em preconceito, e preconceito não resolve nada, cria ainda mais problemas. Luz! Luz é do que precisamos!