Fraternidade e fome
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil escolheu, como tema da Campanha da Fraternidade, para 2023, “Fraternidade e fome”. Embora Paulo esclareça que “quem não quer trabalhar, não coma”, Aquele que é maior do que Paulo determina “Dai-lhes vós mesmos de comer!” (Mt 14, 16). De fato, o jejuar não acompanhado da doação dos alimentos […]
Por Israel Minikovsky 13 min de leitura
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil escolheu, como tema da Campanha da Fraternidade, para 2023, “Fraternidade e fome”. Embora Paulo esclareça que “quem não quer trabalhar, não coma”, Aquele que é maior do que Paulo determina “Dai-lhes vós mesmos de comer!” (Mt 14, 16). De fato, o jejuar não acompanhado da doação dos alimentos abdicados, é economia. O alimento renunciado deve ser a oferta para o que jejua à força, em função da pobreza extrema. Os sedizentes cristãos de direita, ou parte deles, insinuou que, a escolha temática da referida conferência, seria uma espécie de incentivo velado ao comunismo. A lei mosaica não pode ser reduzida a uma coleção de teses legalistas de moralização, há toda uma atenção à questão social. Todos os profetas, incluindo “os grandes”, como Isaías e Jeremias, esclarecem que a idolatria e a prostituição sempre se fazem acompanhar pela injustiça social, seja pela corrupção do poder judicante, seja pelo descaso da comunidade para com aqueles que se acham em situação de vulnerabilidade. O mote da reflexão é este: como me rotulo de cristão, sendo cúmplice de um padrão que compactua com a miséria e com a fome de, por exemplo, crianças? A produção agrícola no mundo supera a necessidade alimentar da humanidade. O problema, portanto, não é de ordem técnica, mas de organização política e econômica. Estreitou-se, nas igrejas, a compreensão do que venha ser a “ética”. O brio da conduta individual não isenta da responsabilidade para com a crise existencial alheia. O autêntico cristão deve estar vertido para fora, sempre sendo sensível para com o “próximo”. Fazer arrecadação de alimentos para quem precisa é uma grande ideia. Porém, esta atitude precisa estar acompanhada pela consciência de que o pensar e agir políticos, protagonizados pelos cristãos, devem abarcar a reforma do sistema estatal, que há de redundar em relações paritárias, cuja participação inclua os esforços e a repartição dos bens criados. O salmista conclui: “Nunca vi um justo passar fome, nem seu filho mendigar pão”. Entrementes, o maior ato de justiça, que podemos fazer agora, é colocar pão ao alcance do que se vê na condição de necessitado. O indivíduo famélico não consegue ouvir a mensagem redentora enquanto não sair da penúria alimentar. A alma não é coisa que se salva, se o corpo mal nutrido está. Porque a ressurreição, em que os cristãos acreditam, é a categoria que exprime a restauração completa do Reino de Deus, não deixando absolutamente nada excepcionado. A mudança de mentalidade, metanoia, se faz sentir em todas as dimensões da vida humana, abarcando a concretude que marca a nossa história. É estranho, e absurdo mesmo, que alguém que se diga cristão sinta-se incomodado com a própria discussão concernente à fome, uma realidade que acomete cidadãos das classes socioeconômicas menos favorecidas. No fundo, essa indignação acusa para um resquício de consciência moral que, adrede, se busca recalcar. Sejamos realistas: a boa-nova não é só discurso, mas uma missão integral, que compreende os estados de vida dos seus ouvintes. O pregador é um semeador. No entanto, haveremos de fechar os olhos para o mundo em que as sementes são lançadas? O evangelho compreendido redundará em mudanças e muitos triunfarão pelo ouvir. Ao par disso, cada um de nós que imagina já estar evangelizado, é desafiado a assumir seu papel no mundo, militando para a transformação das estruturas que produzem e perpetuam seres humanos e filhos de Deus excluídos dos direitos e vantagens que, a priori, por todos deveriam ser partilhados e fruídos. Luz que não ilumina não é luz!