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ChatGPT: a responsabilidade de um robô

Dias atrás, tivemos reunião no paço forense, para tratar de assuntos comuns à rede, e a magistrada que presidia à reunião, referindo-se aos sistemas de busca robotizados, tal como esse que ocupa o título deste artigo, pontuou que esses métodos assinalam o progresso tecnológico, cada vez mais veloz, protagonizado por nossa espécie, os humanos. A […]

Por Israel Minikovsky 16 min de leitura

Dias atrás, tivemos reunião no paço forense, para tratar de assuntos comuns à rede, e a magistrada que presidia à reunião, referindo-se aos sistemas de busca robotizados, tal como esse que ocupa o título deste artigo, pontuou que esses métodos assinalam o progresso tecnológico, cada vez mais veloz, protagonizado por nossa espécie, os humanos. A nova tecnologia tem dado o tom dos debates, não só por ser pioneira, mas problemática, desde o berço. Ela se serve de base de dados, não só pouco confiáveis, mas ainda é capaz de distorcer informações. As informações podem passar por um processo que desemboca não apenas no falseamento da verdade, porém, cumulando o inconveniente de, por exemplo, difamar uma pessoa. Concretizando esta infeliz factibilidade, a de a máquina tornar poluta a reputação de alguém idôneo, emerge a pergunta: a empresa, que gere a tecnologia, pode ser processada? Em uníssono, tem sido dito que sim. Pouco importaria, segundo os defensores desta tese, se a inverdade é posta em circulação por um humano ou por um robô. Potencialmente, então, vislumbro a criação de uma indústria da indenização. E se o Judiciário brasileiro se tornar o recebedor de uma avalanche de ações de responsabilização cível e penal, o volume acima da média não alterará o modo como este Poder olha para demandas segundo o aludido perfil? A legislação não deverá receber algum tipo de atualização? Questões jurídicas conexas emergem: pode haver calúnia ou difamação sem dolo? Pois entendo que uma máquina é destituída de vontade. Restaria, pois, prejudicado um dos elementos do tipo. E se o fato não é típico e antijurídico, se lhe falta o elemento subjetivo, esta incompletude, ao menos em se tratando de humanos, deveria beneficiar o réu. Mais do que uma teratologia jurídica, se nos parece que criamos uma tecnologia para fazer fofocas ou comadreria. Pode isso? As tecnologias da informação que tanto nos ajudaram a compreender o mundo e sua dinâmica, o que inclui a política, agora estão prestando um serviço inverso. Há milênios os filósofos discutem o que é a verdade. E depois de muito debate, sério e acalorado, parece ter vencido a tese dos filósofos da ciência, os quais advogam que não podemos transcender a verossimilhança e a provisoriedade do saber. Dos céticos de Atenas, aos racionalistas críticos, parece ter vencido o senso comum, desembocadura onde também encontrou vazão a própria tecnologia digital que, num primeiro momento, prometeu superar a inteligência analógica, e agora se vê embaraçada nos mesmos problemas que ela, numa escala algo muito mais amplo. O quantitativo foi potencializado, mas continuamos nos deparando com as sombras que, desde a antiguidade, os filósofos tentaram arredar para escanteio. É, no mínimo, irônico. A própria Bíblia faz constar que a glória do homem consiste em descobrir as coisas – o que nunca ou raramente consegue fazer – e a de Deus em escondê-las. As tecnologias têm a nossa cara. Elas foram as apontadas como as salvadoras da humanidade. Já foi ostentado todo um discurso dizendo que as genialidades de Montesquieu estão defasadas, que precisamos de um modelo novo de Estado e estruturação dos poderes. Na prática, a tecnologia nunca traz uma inovação sem, ter junto de si, um problema de quilate semelhante ao que procura equacionar. Em Israel, a população, há semanas, se manifesta e se mobiliza, em contestação ao que o parlamento vem perpetrando, em face do Judiciário, como poder. Em tempos de recesso democrático ou democracias iliberais, quem “leva pau” é o Judiciário, essa coisa antiquada e obsoleta que, de tão inútil, os ultradireitistas fazem questão de minar ou arrefecer. Como diz o ditado, “só se atira pedra em arbustos carregados” ou, para quem é das antigas, “panela velha é que faz comida boa”. Os novos dilemas jurídicos baterão à porta da nobre anciã, a Justiça, denotando que as melhores tecnologias são as perenes, ou que vieram para ficar. Se a tecnologia oxigena e vivifica a filosofia e o direito, esta vivificação se traduz, sempre e sempre, em apresentar os problemas de outrora, em nova roupagem. E a solução passa por elaborar uma linguagem mais sofisticada que, no fundo, diz a mesma coisa, ilustra fielmente ideias já pensadas por nossos antecessores. Avançamos, sim, mas circularmente. Luz!