Trabalho: cárcere ou redenção?
Uma experiência capitaneada por corporações multinacionais, em vários países, e que tende a consolidar-se como lei, é esta: reduzir a semana de trabalho a quatro dias. A ideia, portanto, seria manter 100% do salário, 100% da produtividade, dentro de 80% do lapso temporal anterior. Passados 135 anos da Lei Áurea, assinada por mão de princesa, […]
Por Israel Minikovsky 13 min de leitura
Uma experiência capitaneada por corporações multinacionais, em vários países, e que tende a consolidar-se como lei, é esta: reduzir a semana de trabalho a quatro dias. A ideia, portanto, seria manter 100% do salário, 100% da produtividade, dentro de 80% do lapso temporal anterior. Passados 135 anos da Lei Áurea, assinada por mão de princesa, e que baniu o escravagismo da paisagem jurídica, o trabalho continua sendo uma temática em alta. O Código Penal Brasileiro prevê “trabalho análogo ao de escravo” e inflige, aos capitulados, pena de reclusão. “Análogo”, por mais caracterizada que reste a figura da “escravidão” porque, ao menos formalmente, ela não existe mais. Claro, em grandes cidades, vemos o trabalhador preso dentro de ônibus e metrôs, para chegar ao local de trabalho, retornando ao apresamento móvel, quando o destino é o retorno para casa. E sua renda cobre apenas o estritamente necessário. Então, sua luta pela existência se resume a trabalho e itinerário. No campo, vemos que aquele que produz alimento, é vítima de insegurança alimentar, tão exíguos são os seus recursos. Marx explica que o segredo do modo de produção capitalista é a mais-valia. Durante certo tempo da jornada o trabalhador reproduz o próprio salário e, cumprida esta etapa, ele passa a produzir valor para o dono dos meios de produção sem ganhar nada em troca. Esse valor econômico ofertado ao patrão, sem nenhum equivalente para o trabalhador ou compensação, constitui a mais-valia. Dessarte, se o trabalhador labora oito horas, das quais quatro se prestam a cobrir o próprio salário, isto significa que as outras quatro serão vertidas para a produção do excedente. Mas pensemos bem: se o patrão puder estender a jornada de oito para doze horas, então serão necessárias as mesmas quatro horas para a produção que atende a subsistência do trabalhador, e as horas excedentes serão iguais a oito. A relação de ½ e ½, ou 50% e 50%, será recolocada nestes termos: 1/3 e 2/3, ou 33,33% e 66,66%. Por outro lado, em havendo impedimento legal que proíba a dilação da duração da jornada de trabalho, de modo que o capitalista não possa estender as atividades para além de oito horas, ele tem uma saída para criar a relação antes sugerida, 1/3 e 2/3. Se for intensificada a celeridade da produção, de modo que, aquilo que se produzia em quatro horas, passe a ser produzido em duas vírgula sessenta e seis horas, será possível elevar a dimensão da mais-valia nos mesmos termos da expansão da duração absoluta da jornada. Tem-se, então, uma intensificação velada da exploração da força de trabalho. O maior argumento para a jornada hebdomadária de quatro dias, pelo que dizem, é a constatação de que ela teria o condão de trazer no seu bojo, uma melhora generalizada da saúde mental do trabalhador. A pergunta que fica é esta, será mesmo a grande motivação da alteração da rotina semanal, partindo do suposto de que haja mais de uma, a saúde mental do funcionário? Pois manter a produtividade nos mesmos níveis da antiga carga horária, doravante, desfalcada de 20% de sua duração, equivalerá, ou poderá equivaler, fazer o trabalhador vestir uma camisa P quando o perfil dele é GG. E mesmo que o trabalhador consiga cumprir a meta, isto pode lhe acarretar penosidade, e aumento do estresse. Lembrando-nos de que o estresse é um dos maiores contribuintes para o desenvolvimento de doenças mentais, como a Síndrome de Burnout. Enquanto a fórmula não for aplicada na prática, tudo o que se diz e escreve, é mera especulação. Contudo, estão a dizer que as coisas vão melhorar, para as empresas, e para os trabalhadores. Plagiando Lenio Streck, “A ver. Sem h”.