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Daddy’s little slut

O mês de maio traz tantas datas comemorativas, que é simplesmente impossível esgotar a abordagem de todos os assuntos, ainda que o articulista escrevesse num jornal de circulação diária. Dentre tantas outras preocupações, a aludida calenda nos convida a refletir sobre a violência consistente em desrespeitar a sexualidade de pessoas em desenvolvimento. Num dia destes, […]

Por Israel Minikovsky 14 min de leitura

O mês de maio traz tantas datas comemorativas, que é simplesmente impossível esgotar a abordagem de todos os assuntos, ainda que o articulista escrevesse num jornal de circulação diária. Dentre tantas outras preocupações, a aludida calenda nos convida a refletir sobre a violência consistente em desrespeitar a sexualidade de pessoas em desenvolvimento. Num dia destes, ao percorrer as prateleiras virtuais de uma loja de roupa, vi um manequim usando traje mínimo, com os dizeres: “Daddy’s little slut”, e vou poupar o amável leitor de consultar o tradutor, entregando a tradução livre: “vadia do papai”. A usuária da peça de vestuário estaria confessando exercer uma prática idêntica ou análoga à prostituição, e teria orgulho de pertencer “ao papai”. Então, o que vemos, é apologia da prostituição, aliada à pedofilia. Enquanto são comercializadas roupas com dizeres deste naipe, sou informado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF, de que 32 milhões de crianças do Brasil se encontram em situação de pobreza, o que corresponde a 63% do total. Já 16,1%, do todo, enquadra-se dentro da categoria de pobreza extrema, dado de 2021, o que corresponde a uma renda inferior a 1,9 dólar diário. Enquanto que no ano de 2020 tínhamos 9,8 milhões de crianças afetadas por alimentação inadequada, este número, em 2021, saltou para 13,7 milhões. De todas as residências brasileiras, 37,8% delas têm crianças em condição de insegurança alimentar grave ou moderada. Isto nos mostra que vivemos num planeta em que as crianças não têm seus direitos básicos preservados ou respeitados, como vida, saúde e alimentação correta, senão ainda que, os adultos, as vitimamos através da desconsideração de sua dignidade sexual e identitária. A estampa provocadora numa vestimenta colima a venda da mercadoria e a realização do lucro. A criança mal alimentada, se acha do jeito que está, por não ter conseguido conquistar seu espaço no sistema econômico do seu entorno. Estas circunstâncias apontam para o fato de que é insuficiente, uma vez por ano, alguns técnicos que laboram na Secretaria Municipal de Assistência Social, saírem às ruas, ostentando faixas com dizeres moralizantes, se o setor privado não é impactado e, sequer, minimamente sensibilizado, por estas campanhas. E, em virtude de vivermos uma economia globalizada, fica patente que a ingerência e a conscientização devem extrapolar os espaços nacionais. Não se faz cidadania sem cidadão. E ninguém, ou quase ninguém, se houver alguma exceção, torna-se capaz de adquirir e exercer cidadania, estando mal alimentado e sendo abusado sexualmente. Por mais difícil que seja a realização de uma perfeita democracia, é ela que deve alumiar nossas deliberações. Democracia vale à pena justamente por ser difícil. Ela antepõe a si mesma o adimplemento de uma série de garantias e exigências. E este, precisamente, é o seu mérito, cobrar de autoridades e pessoas comuns, providências e responsabilidades. Tirar o Brasil, mais uma vez, do mapa da fome, é estar afinado com uma ética do discurso, é ofertar o mínimo de isonomia, correspondente a poder se expressar e fazer uso da tribuna. Pela fala é que vindicamos o que nos pertence. O mínimo jurídico abarca isto: ao menos uma alimentação equilibrada e saudável, ao menos ver assegurada sua inviolabilidade física e psicológica. Rigidez no processo formativo, sem estas garantias, dará em nada, como sempre resulta dos casos opostos, de negligência severa. A língua inglesa é não só, o que não é pouca coisa, vernáculo de vários povos, para além disso, o idioma mais importante do planeta. Sem embargo, em função do seu alcance, mostra-se altamente oportuna como instrumento de comunicação, se o que se procura é a evitação de ocorrências corriqueiramente denunciadas pelo Disque 100, cá no Brasil. Luz!