O Brasil e a Busca por um Choque Liberal: Reflexões sobre o Papel do Estado na Economia
Jorge Amaro Bastos Alves* A Teoria Geral de John Maynard Keynes, publicada em 1936, foi um marco na economia que influenciou e continua dominando as políticas econômicas adotadas em muitos países. No entanto, mesmo com sua influência duradoura, essa teoria não é isenta de críticas e apresenta algumas falhas que merecem ser discutidas. O Brasil […]
Por O Brasil como nos parece 25 min de leitura
Jorge Amaro Bastos Alves*
A Teoria Geral de John Maynard Keynes, publicada em 1936, foi um marco na economia que influenciou e continua dominando as políticas econômicas adotadas em muitos países. No entanto, mesmo com sua influência duradoura, essa teoria não é isenta de críticas e apresenta algumas falhas que merecem ser discutidas.
O Brasil adotou predominantemente políticas de inspiração keynesiana ao longo de sua história. Considerando que ainda somos um país “em desenvolvimento”, é razoável afirmar que essas políticas não surtiram o efeito desejado para nos guindar ao posto de nação economicamente desenvolvida; isso tem gerado contundentes críticas por parte de economistas brasileiros de formação liberal econômica.
O debate econômico entre keynesianos e liberais no Brasil foi marcado de forma significativa por duas figuras proeminentes: o economista paulista Roberto Simonsen e o economista carioca Eugênio Gudin. Esse debate abordou concepções econômicas que continuam sendo discutidas até os dias de hoje no país.
Simonsen era um empresário industrial e líder do setor produtivo paulista. Ele defendia uma visão de desenvolvimento econômico baseado na industrialização e na intervenção do Estado na economia, por meio de políticas de protecionismo industrial, subsídios e estímulo à produção nacional.
Gudin foi um engenheiro e economista pioneiro na divulgação do ideário econômico liberal no país. Ele acreditava que a industrialização era importante para o desenvolvimento econômico, porém defendia que isso deveria ocorrer por meio de processos de mercado, sem intervenções excessivas do governo. Ele era contra a ideia de substituição de importações, que consistia em restringir as importações e fomentar a produção interna de bens industrializados por meio de protecionismo e subsídios. Gudin defendia uma abordagem mais austera, com controle rigoroso dos gastos públicos e ênfase na estabilidade monetária. Uma de suas frases famosas é: “A única maneira de distribuir riqueza é criá-la”.
Um outro notável economista brasileiro crítico da abordagem keynesiana foi Roberto Campos, conhecido por suas visões liberais e defensor de uma postura mais favorável ao mercado. Campos argumentava que as políticas keynesianas de estímulo fiscal adotadas no Brasil, especialmente nos anos 1950 e 1960, levaram a um aumento da intervenção estatal na economia, resultando em ineficiências e distorções, como, aumento da inflação, desequilíbrios fiscais e uma carga tributária excessiva.
Já os keynesianos creem que o governo sabe como alocar recursos. No entanto, os diversos exemplos ao longo da história do país, como desperdício de recursos públicos, elevada regulação, burocracia e dificuldades para o setor privado, derrubam essa crença. Sobre isso, o economista Mansueto Almeida alerta que “A ineficiência do governo na economia é um entrave ao crescimento e à geração de riqueza”.
A história econômica brasileira mostra poucos governos que implementaram algum tipo de política econômica liberal. Entre esses, destacam-se o de Rodrigues Alves (1902-1906) que expandiu o sistema bancário e estimulou a entrada de investimentos estrangeiros, especialmente na área de infraestrutura. Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) promoveu em seu governo uma série de privatizações de empresas estatais, visando a redução da presença do Estado na economia e a busca por maior eficiência e competitividade. Já, o governo de Michel Temer (2016-2018) embora curto, adotou importantes medidas econômicas alinhadas com princípios liberais. Durante seu mandato foi aprovado o Teto dos Gastos que limitou o crescimento dos gastos públicos, com o objetivo de conter a expansão do déficit fiscal e criar condições para a retomada do equilíbrio das contas públicas e a Reforma Trabalhista que flexibilizou as relações de trabalho.
As maiores ações de liberalização econômica em um governo ocorreram recentemente durante o governo Jair Bolsonaro (2019-2022), lideradas pelo então ministro da economia Paulo Guedes. Destacam-se a Reforma da Previdência, a autonomia do Banco Central, a privatização da Eletrobrás e a adoção de alguns marcos regulatórios como do gás, das ferrovias, da navegação de cabotagem e do saneamento básico. Essas medidas contribuíram para preservar as contas públicas, estimular o crescimento e reduzir intervenção do Estado na economia.
Diante de poucos governos com viés liberal na história econômica brasileira, cabe recordar uma frase de Roberto Campos: “O que certamente nunca houve no Brasil foi um choque liberal. […] O liberalismo econômico assim como o capitalismo não fracassaram na América Latina. Apenas não deram o ar de sua graça.”
Ainda assim, há que se reconhecer que o governo desempenha um papel importante na estabilização econômica e no estímulo ao crescimento, especialmente em momentos de crise. Isso é feito por meio de políticas fiscais expansionistas, como investimentos públicos e redução de impostos, para estimular a demanda e impulsionar a economia. Além disso, na visão keynesiana, o Estado também é visto como responsável por estabilizar a economia por meio de políticas monetárias. Isso inclui a regulação da oferta de moeda, a taxa de juros e outras medidas para controlar a inflação e promover o pleno emprego.
No entanto, esse receituário keynesiano, ao longo do tempo, muitas vezes resultou em déficits públicos insustentáveis, limitando o potencial de crescimento econômico no longo prazo. Um exemplo disso foi a crise da dívida no Brasil e na América Latina nos anos 1980, na qual houve um expressivo aumento dos gastos públicos para estimular a demanda agregada, que foi financiada por meio do endividamento externo. Isso resultou na “década perdida” na economia brasileira, marcada por baixo crescimento econômico, instabilidade macroeconômica, altas taxas de inflação, aumento da dívida externa e problemas estruturais.
Portanto, é importante ressaltar que a sustentabilidade fiscal da implementação de políticas keynesianas depende fundamentalmente de uma gestão responsável das finanças públicas, equilibrando os estímulos econômicos com a capacidade de pagamento do governo.
De outra forma, a ênfase na intervenção governamental por meio de políticas de estímulo keynesianas para corrigir desequilíbrios econômicos, certamente criará incentivos perversos, como um aumento da carga tributária no futuro, limitando a capacidade de investimento do setor privado e inibindo o crescimento econômico sustentável.
A história econômica está aí para nos lembrar dos riscos existentes! Se o governo brasileiro aplicar políticas fiscais expansionistas sem considerar a capacidade de financiamento e os limites da economia, o país pode estar sujeito a repetir os erros do passado.
* Economista e professor da Universidade do Contestado. jb.alves@protonmail.com