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Barsa: a minha primeira rede mundial

Quando minha irmã iniciou o Ensino Médio, foi comprada a enciclopédia Barsa, para que ela a empregasse nos seus trabalhos de aula. Ela casou-se, saiu de casa, e a enciclopédia ficou. Apropriei-me da enciclopédia. Chegada a hora de eu sair de casa, levei a coleção comigo. Não tendo espaço físico para acomodar a referida joia, […]

Por Israel Minikovsky 16 min de leitura

Quando minha irmã iniciou o Ensino Médio, foi comprada a enciclopédia Barsa, para que ela a empregasse nos seus trabalhos de aula. Ela casou-se, saiu de casa, e a enciclopédia ficou. Apropriei-me da enciclopédia. Chegada a hora de eu sair de casa, levei a coleção comigo. Não tendo espaço físico para acomodar a referida joia, passei a obra para Mariano Soltys, meu colega intelectual. O fato é que me dei o trabalho de ler a enciclopédia de ponta a ponta. Hoje, a enciclopédia de papel é um item de museu. No entanto, penso que deveríamos ressuscitá-la. Qualquer informação de que eu precise, qualquer termo que eu desconheça, dirijo-me à frente da tela e ali está a resposta. Mas eu só consigo conhecer as coisas com que me deparo e, de uma forma ou outra, interferem na minha existência. Porém, o fato é que há um universo que desconheço, do qual sequer ouço falar. Sem embargo, esta é a lacuna a que viso colmatar. Pretendo me tornar estudioso das disciplinas cuja oitiva não chegou às minhas oiças. A diferença, portanto, é que a velha enciclopédia constituía-se de escassas dezenas de volumes, e agora ela está mais encorpada. Deveríamos aliar completude a concisão, de modo que nada de importante ficasse de fora, sem recair na prolixidade. Estimo que algo em torno de cinco mil volumes estaria excelente. Uma ferramenta muito usada na internet é a wikipedia. Recomendo que, quem puder, torne-se patrocinador da página. A defesa de um projeto editorial no formato do enciclopedismo encontra a justificativa na ideia de que “quem vê muito mato, deixa de olhar a floresta (na perspectiva panorâmica)”. Qualquer opção, galga status de consciência, desde que as alternativas preteridas sejam minimamente compreendidas ou conhecidas. O bom especialista é o que conhece, em linhas gerais, a totalidade, mas decide eleger uma subárea como a preferida em relação às suas ladeantes. A cultura geral, não tenho a menor dúvida disso, é a cara-metade da formação filosófica. Enquanto a filosofia é conceitual e meditativa, a cultura geral oferece informação e imagens que traduzem a empiria. A literatura informativa cumpre o propósito de corroborar ou infirmar as visões de mundo, as metanarrativas. Nunca antes o conhecimento foi revestido de tanto pragmatismo, como vemos nos dias de agora. Malgrado, nunca antes perdemos tanto de vista a noção de que o conhecimento se presta a entender e refletir sobre nosso entorno, sobre nosso papel no universo. As grandes ideias vêm do choque de concepções, da comparação entre paradigmas epistemológicos. Precisamos explorar mais as zonas de fronteira e a totalidade. A palavra de ordem no mundo do conhecimento, atualmente, é esta: transversalidade, multidisciplinaridade. Compreendendo a totalidade, se compreende melhor cada uma das menores partes, no seu contexto. Uma importante linha da sociologia defende esta ideia: compreender as coisas pela sua função social. Erra quem pensa, que o projeto que aqui defendo, é uma aspiração a refletir um desejo erudito, soberbo e inútil. Tão importante quanto uma nave espacial, quanto satélites de comunicação e observação, quanto a rede mundial de computadores, quanto a inteligência artificial generativa, quanto todas as medicações e terapias, quanto tudo aquilo que as engenharias nos proporcionam, é o projeto editorial enciclopédico que aqui defendo. A vetusta metodologia de organizar as matérias das mais diferentes ciências e saberes, segundo a ordem alfabética dos verbetes, encerra em si o poder da concisão, da síntese e do reconhecimento de que o nosso conhecimento é limitado, por mais que ele venha crescendo. A enciclopédia estabelece um marco objetivo, um inventário do que conquistamos, onde conseguimos aportar. De tempos em tempos, precisamos dar uma parada e ordenar as informações e conhecimentos em quadros ou tabelas, visto que organização tem tudo a ver com conhecimento. A própria ordem, aliás, é um conhecimento em si mesmo. O que seria do Ocidente, não fosse a prepotência, o pedantismo e a vaidade de Aristóteles (384-322 a. C.)? Uso ironicamente estes adjetivos, pois a experiência tem me mostrado que a simples postura filosófica encadeia xingamentos repletos de vocábulos de similar naipe. Os profetas, mal recebidos em sua própria terra, e os filósofos, rejeitados, em seu próprio tempo.