Tortas possibilidades jurídicas aos canais de imprensa
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal sentenciou a possibilidade de um órgão de mídia ser judicialmente responsabilizado por declaração de terceiro, isto é, por declaração de um entrevistado. A decisão traz consigo bastante preocupação a profissionais e a empresários do ramo de comunicação. Não poderia ser diferente, pois certas asserções são imprevisíveis. Em transmissão simultânea, não […]
Por Israel Minikovsky 15 min de leitura
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal sentenciou a possibilidade de um órgão de mídia ser judicialmente responsabilizado por declaração de terceiro, isto é, por declaração de um entrevistado. A decisão traz consigo bastante preocupação a profissionais e a empresários do ramo de comunicação. Não poderia ser diferente, pois certas asserções são imprevisíveis. Em transmissão simultânea, não há como realizar nenhuma espécie de seleção. Já nas entrevistas previamente realizadas, é possível “editar” a matéria. Todavia, o que parece ser uma solução, redundará em autocensura, o que prejudica enormemente a utilidade pública de livre circulação de informações e ideias. Nas entrelinhas, fica subentendido que, também na esfera civil, a empresa de comunicação poderá figurar no polo passivo, numa suposta ação de indenização de reparo moral, como solidária, tendo que ressarcir o ofendido, figurando no mesmo plano do declarante. Em nosso ver, fica afrontado o princípio constitucional de liberdade de pensamento e de expressão. O julgado vem a ser um retrocesso. Além dos desdobramentos consectários à superveniência da medida – um desencorajamento generalizado da transmissão de informações – a novel jurisprudência fere princípios jurídicos reconhecidos pelo direito mundial. Hoje há um consenso de que a pena não pode passar da pessoa do apenado. Se o entrevistado abusa do seu direito de fala, quem deve responder por isso é ele mesmo, e mais ninguém. Até porque os canais de imprensa são veículos de comunicação, dito de outro modo, eles não só criam informação, antes disso, são um espaço pelo qual as mensagens encontram a oportunidade de poder fluir. Mais um princípio jurídico basilar: a presunção de veracidade e de inocência. Todos falam a verdade até que se prove o contrário. Não desdizendo nenhuma das alíneas acima, a decisão deveria despertar todos aqueles que militam em canais de mídia, no sentido de que fiquemos alertas e de que sejamos prudentes. Se é consabido que, as declarações que alguém porta consigo, não merecem respaldo, casse-se em tempo a palavra daquele que fará o desserviço da desinformação. Nunca se deve publicar matéria informativa, mormente se o seu teor for grave ou gravíssimo, sem antes verificar sua procedência, confrontando com o maior número possível de fontes. O Judiciário pode e deve ser político. Ele só não pode ser partidarizado. Os juízes não são empossados pelo voto popular, mas isso não tira sua legitimidade. Foi por critérios idôneos e sérios que os utentes da toga foram empossados. Não nos esqueçamos de que muitos partidos despóticos chegaram, pela primeira vez, ao poder, pelos meios eleitorais corriqueiros. Os três poderes, voltemos a Montesquieu, se contrabalançam uns aos outros. No caso em apreço, o Supremo não extrapolou sua competência. Digo isso, porque muitos alegam que só ao legislador cabe estabelecer os limites da liberdade de pensamento e de expressão. O Supremo fez aquilo que lhe cabia fazer. Entretanto, verifico uma atecnia na modulação do julgado. É natural o cometimento de excesso, para uma determinada situação, quando o que se tem em mente consiste em corrigir uma derrapada em sentido oposto. A decisão da Corte colimou varrer, do cenário nacional, o pretexto alegre e fácil de que, por exemplo, ataques à própria democracia, ao sistema eleitoral, à Constituição, aos poderes, ao sistema de Justiça, viriam a espelhar falas de indivíduos isolados, não roboradas pelo instrumento de que os tais se serviram para externar suas convicções. Que isso tudo nos sirva de lição: toda vez que algo é usado de um modo errado, quem perde é toda a coletividade. Em geral, ficamos indignados com a depredação de prédios públicos, com pichações, com todo tipo de vandalismo. A noosfera é um espaço tão público quanto praças, praias, ruas e calçadas. Sejamos cautelosos quanto ao seu uso. Aristóteles bem dissera: “O homem sábio não fala tudo que pensa, mas pensa tudo o que fala”. Luz!