Afeto, interesse e ideia
Entendo que os motivos pelos quais nos aproximamos de alguém são três: afeto (amor), interesse ou ideia. No livro “As cinco linguagens do amor” o autor defende que o amor encontra expressão prática através das seguintes mediações: toque físico, presente, serviço, tempo de qualidade e palavras de afirmação. Não raro, em nossos relacionamentos, afeto, interesse […]
Por Israel Minikovsky 14 min de leitura
Entendo que os motivos pelos quais nos aproximamos de alguém são três: afeto (amor), interesse ou ideia. No livro “As cinco linguagens do amor” o autor defende que o amor encontra expressão prática através das seguintes mediações: toque físico, presente, serviço, tempo de qualidade e palavras de afirmação. Não raro, em nossos relacionamentos, afeto, interesse e modo de pensar aparecem associados. Embora haja modulações várias: num caso predomina o amor e não há tanta comunhão de pensamento, constatando-se o inverso disso em outro relacionamento. No casamento, ou no “viver junto”, identifica-se isto: passa a fase inicial da paixão, e, de repente, a unidade de vida precisa calcar-se em outros pressupostos. E não é que, às vezes, ainda que raramente, quem se casou “por interesse” descobre que, para além do dinheiro, a cara-metade é dona de outros atributos dignos de veneração?! Nas atividades profissionais e acadêmicas vemos isto: o carro-chefe é o interesse, sobretudo o econômico. As amizades firmadas em nome do interesse tendem a ser passageiras. A atividade econômica, dinâmica em si mesma, é cada vez mais camaleoa, pois reflete o nível de desenvolvimento da tecnologia, todo dia mais ferozmente mutante. Por tal razão, tenho visto isto, as amizades mais duradouras são aquelas alicerçadas sobre ideias. Permito-me estender a carga semântica da palavra “ideia” para fazê-la albergar o conceito de “ideologia”. Trate-se de ideologia filosófica, religiosa ou política. O próprio Paulo, em suas cartas, fala que os cristãos devem ser um só pensamento. Contudo, Paulo emprega o termo “pensamento” de modo distinto de como faziam, por exemplo, os gregos. Essa ressalva é importantíssima. E já explico por quê. No novo testamento, a unicidade de pensamento é a expressão usada para significar que os crentes são capazes de articular a ajuda mútua entre si, a partir de um ponto de vista partilhado por toda a comunidade. A unidade de pensamento não pode ser imposta. A propósito, cristianismo é viver os valores do evangelho mesmo quando todos pensam de modo diferente. Impor um único modo de pensar não corresponde a implantar o Reino de Deus sobre a terra. Ao revés, o pensamento único é o pressuposto de um projeto de poder, e, antes disso, já é um projeto de poder em si mesmo. Os convertidos devemos viver o mesmo amor. E isto vem de Deus. Já o pensamento reflete a experiência que cada indivíduo faz ou sofre no mundo, e isto é muito particular. Essas colocações não anulam ou relativizam o papel e a importância do pensamento na organização da vida em sociedade. Pondero, tão somente, que o principal é ver no outro o próprio eu, e depois disso e a partir disso, colocar a inteligência em movimento, de sorte tal que o amor encontre expressão teórica no campo pensamental. Nesse breve passeio que realizo pelo mundo, tenho percebido que as poucas amizades resistentes e persistentes que conquistei, foram aquelas cimentadas num modo comum de pensar, num mesmo ideal. No mundo pós-moderno, pós-utópico, é uma certa espécie de racionalidade ainda a força mais forte que nos une. Quando eu me aproprio de uma verdade como sendo a minha mesma, e, na sequência, vejo ao meu lado um ser humano agarrado àquilo em que me agarro, vislumbro o surgimento, consolidação e a durabilidade de um relacionamento com altas possibilidades de vingar. O casamento do cérebro com o coração, isto é, a descoberta de uma ideia que vale uma vida, isto sim vale à pena. Qualquer coisa que seja menos do que isto é mera futilidade, algo imprestável que não merece nem sequer uma análise rápida. Quando priorizamos o que realmente importa, as coisas secundárias e terciárias vêm por acréscimo. Esse é o sentido de Mateus 6, 33. Luz!