O Antropoceno e a Vila Schwartz
No dia 04 de outubro de 2023, uma quarta-feira, choveu, em São Bento do Sul, 114,8 mm em 12 horas, algo maior do que o esperado para o mês inteiro, segundo as médias registrais. Vários pontos da cidade ficaram alagados, e eu mesmo tive que perfazer um contorno, para poder chegar à prefeitura, meu local […]
Por Israel Minikovsky 15 min de leitura
No dia 04 de outubro de 2023, uma quarta-feira, choveu, em São Bento do Sul, 114,8 mm em 12 horas, algo maior do que o esperado para o mês inteiro, segundo as médias registrais. Vários pontos da cidade ficaram alagados, e eu mesmo tive que perfazer um contorno, para poder chegar à prefeitura, meu local de trabalho. Meu pai passou a adolescência e a juventude na Vila Schwartz, e depois, pôde construir ao menos duas unidades habitacionais de alto padrão em área nobre da cidade, circunstância que não se estende a todos. E para não me referir exclusivamente ao sistema, nem todos os seres humanos são dotados da mesma capacidade, resolução e determinação. Na geologia se criou o termo “antropoceno” para caracterizar o período mais recente da história do planeta, gizada pela intensivação da ingerência antrópica sobre o meio. O problema da adoção deste termo, antropoceno, segundo alguns teóricos, é que ele naturaliza algo artificial. O termo sugere que todos os seres humanos são igualmente responsáveis pela catástrofe ambiental hodierna. É certo que o cidadão mediano tem sua parcela de responsabilidade. Porém, a verdade é que os dirigentes do sistema têm uma responsabilidade muito maior. E a criação do aludido conceito isentaria os tais de suas decisões, cujas consequências seriam partilhadas por todos. Em vez de se falar em antropoceno, o ideal seria falar em capitaloceno. Sim, os países socialistas também poluem. Mas o modo capitalista de produção é marcado pelo dano à força de trabalho e ao meio ambiente. Através do exercício da cidadania, devemos cobrar providências dos tomadores de decisão, para que estes mesmos empoderados mobilizem ações que anulem ou, ao menos, atenuem os efeitos da atividade econômica. Compete implicar aqui o pensamento de Hanna Arendt, que argumenta que o mal é banalizado quando terceirizamos nossas próprias responsabilidades lançando-as sobre aquilo que se chama “sistema”. Eu não posso, simplesmente, dizer que fiz porque “estava cumprindo ordens”. Quando o comando é ilegal ou imoral ele deve ser desobedecido. Alguns filósofos, como Henry David Thoureau, defendem a legitimidade da desobediência civil em alguns casos. O ocorrido de dias atrás, na Vila Schwartz, nos desperta para a questão ambiental, haja vista que nada podemos fazer em face do El niño, mas podemos reduzir o desmatamento e a emissão de poluentes, gasosos, líquidos ou sólidos. E também devemos estudar a viabilidade da moradia digna para todos em São Bento do Sul. Essa experiência de ficar refém da enchente e da vazante, esta última, pior do que a primeira, nos induz à compreensão de que certos locais são simplesmente inabitáveis. Não podemos nos conformar à impotência. Não podemos fazer tudo, mas podemos fazer alguma coisa. Experiência é isto: esforçar-se para não cometer o mesmo erro pela segunda vez, para não cometê-lo reiteradamente. As consequências funestas dos temporais, já as conhecemos. O que faremos, proativamente, para impedir que se repita o velho noticiário? Manter a situação como está, é inadmissível, a uma, porque o local da ocorrência é impróprio para habitação, a duas, porque as áreas marginais de riachos e córregos devem ser recobertas de vegetação numa faixa mínima, definida em legislação ambiental. A categoria de antropoceno é um engodo, ela se assenta sobre o pressuposto de que o homem está colhendo o que ele próprio plantou. Contudo, os grandes poluentes são empresas de vulto, cujos proprietários residem em condomínios de luxo, ao passo que os moradores da Vila Schwartz sofrem o impacto dos problemas ambientais e sociais sem terem dado causa aos malefícios que os apoquentam. Todos somos homens (na acepção de “seres humanos”), entretanto, há homens e homens, e isso precisa ser dito. Enquanto são discutidas as propriedades ou impropriedades do uso de certas nomenclaturas, permanecemos a sonhar com o fim desta era, seja ela o que for, aguardando pela sociedade nova, aquela que firmará o marco a partir do qual a história humana realmente começará, livre de injustiças, de exploração, de opressão, em que todos terão suas aspirações satisfeitas. Luz!