Página Inicial | Colunistas | Reduflação

Reduflação

O Brasil já passou por circunstâncias econômicas em que era natural o inflacionamento de preços. Felizmente, nos últimos anos, os preços têm se mostrado mais estáveis. Todavia, quando a cadeia produtiva sofre com a inflação, ou se depara com encarecimento de matérias-primas, ou de itens embutidos nestes processos, esbarra-se na dificuldade de aumento nominal dos […]

Por Israel Minikovsky 15 min de leitura

O Brasil já passou por circunstâncias econômicas em que era natural o inflacionamento de preços. Felizmente, nos últimos anos, os preços têm se mostrado mais estáveis. Todavia, quando a cadeia produtiva sofre com a inflação, ou se depara com encarecimento de matérias-primas, ou de itens embutidos nestes processos, esbarra-se na dificuldade de aumento nominal dos preços. O fato é que a percepção das pessoas está mais ligada aos preços e suas expressões numéricas do que à quantidade do produto, em termos físicos. Se prestarmos atenção nos produtos do mercado, veremos que a quantidade cabida nas embalagens tem sofrido redução. Trate-se de chocolate, iogurte, bolachas, papel higiênico, até produtos de limpeza. Esta estratégia, flagrantemente lesiva ao bolso do consumidor, manter o preço e diminuir a quantidade, chama-se, em economia, reduflação. E o que se constata também é isto: os motivos que ensejaram a redução do volume do produto não se fazem mais notar, mas a empresa continua vendendo o item segundo o padrão diminuído. O Código de Defesa dos Direitos do Consumidor exige que as informações respeitantes ao perfil do produto sejam expostas na embalagem. Ora, os produtos alvos do “encolhimento” se adéquam à norma, mas quem de nós lê todas estas embalagens? E quem de nós tem um histórico, paragonando embalagens recentes e antigas? Muitas vezes Karl Marx refere-se à falsificação de alimentos em O Capital. O autor alemão observa que o trabalhador recebe apenas o estritamente necessário para a reprodução de si mesmo, e, fosse isto muito, quando faz a aquisição dos meios de subsistência, é logrado, pois no lugar do ingrediente adequado é usada qualquer coisa, quase sempre muito prejudicial à saúde humana. O cidadão é cobrado no mercado de trabalho a produzir sempre mais e melhor, mas já estando ele na qualidade de consumidor, é forçado a consumir menos e pior. A reduflação é mais uma faceta perversa a revelar a lógica nefasta do modo capitalista de produção. Na ordem vigente, que é a burguesa, o que temos de melhor é o voto. Precisamos empoderar legisladores que façam um trabalho de vigilância social, protegendo o cidadão de embustes desta natureza. Do ponto de vista ambiental, e ninguém precisa ser grande matemático para acessar esta conclusão, o que assistimos é a isto: o aumento da embalagem em relação ao conteúdo embalado. Tenho notado que as situações que agridem o bem-estar social, se não sempre quase sempre, ferem, igualmente, o meio ambiente. A reduflação robora esta ideia. Na cadeia produtiva temos o conflito “empregadores x empregados”. Na praça de comércio temos o conflito “vendedores x consumidores”. O capitalismo é um sistema econômico e social em que em todas as ocasiões há contradição de interesses. É uma espécie de solidariedade contraditória. Precisamos uns dos outros e combatemos todos contra todos. Nesse contexto de “capitalismo puro” faz-se necessária a ingerência do Estado. Para a segurança de todos os envolvidos, mormente para o trabalhador-consumidor. A Bíblia e outros escritos sapienciais da antiguidade sinalizam para a reprovação divina em se tratando da balança adulterada. O pagar o mesmo e receber a menor, a propósito, me faz lembrar da triste situação do povo hebreu que, em dado momento, teria que assumir uma responsabilidade nova, recolher a palha, e continuar produzindo a mesma quantidade de tijolos cozidos. O direito é essencialmente principiológico. Noções como razoabilidade e proporcionalidade não podem deixar de ser atendidas. Precisamos de relações marcadas pela isonomia e reciprocidade. Se não podemos sair desse padrão calcado na relação desigual, seria o caso de acolher Ronald Dworkin, o pensador que propôs mil e uma alternativas de reparação e compensação jurídicas, medidas abstratas em luta contra a concreção das instâncias materiais e econômicas, que balizam nossa sociedade. A mudança de padrão é o que define como a riqueza é distribuída entre as classes sociais que integram a coletividade. Promover esta discussão já é um princípio de luz!