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De quem é a responsabilidade?

Fumar está cada vez menos na moda, quanto mais não seja, aqui no Brasil, e todos sabemos por que, pois não é nada agradável apreciar as imagens que ora rotulam os obsoletos cilindros preenchidos com tabaco. Pessoas que fumaram a vida inteira e se acharam nos estertores da morte começaram a processar as fumageiras. E […]

Por Israel Minikovsky 14 min de leitura

Fumar está cada vez menos na moda, quanto mais não seja, aqui no Brasil, e todos sabemos por que, pois não é nada agradável apreciar as imagens que ora rotulam os obsoletos cilindros preenchidos com tabaco. Pessoas que fumaram a vida inteira e se acharam nos estertores da morte começaram a processar as fumageiras. E não só isto, mas também ao Estado, sob a alegação de que competia ao ente público alertar seus cidadãos sobre os possíveis futuros efeitos colaterais provenientes do tabagismo. Ou seja, o Estado começou a figurar no polo passivo destas demandas. O efeito prático das condenações tomou corpo sob a forma de avisos intimidadores, como estes a que já nos referimos, e, desde então, nunca mais houve condenações judiciais contra o Estado. O dano moral, no Brasil, sempre foi matéria controversa, principalmente no que toca aos critérios de mensuração da indenização. Uma alteração de 2017, na Consolidação das Leis do Trabalho, veio contribuir com a discussão, sugerindo aspectos a serem sopesados nas ações de danos morais: “Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará: I – a natureza do bem jurídico tutelado; II – a intensidade do sofrimento ou da humilhação; III – a possibilidade de superação física ou psicológica; IV – os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão; V – a extensão e a duração dos efeitos da ofensa; VI – as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral; VII – o grau de dolo ou culpa; VIII – a ocorrência de retratação espontânea; IX – o esforço efetivo para minimizar a ofensa; X – o perdão, tácito ou expresso; XI – a situação social e econômica das partes envolvidas; XII – o grau de publicidade da ofensa”. A matéria em exame, agora, é outra: a compulsão por redes sociais virtuais. Nos Estados Unidos da América estão sendo movidas ações judiciais, requerendo reparação, contra Meta, Tik Tok, Google, dentre outras. A acusação é de que os usuários destas plataformas estão ficando viciados. Há uma compulsão em estar navegando por estes espaços virtuais. E a prova cabal da ocorrência adviria do resultado da privação do usuário em relação ao serviço consumido: sensação de abstinência. Bem sabemos que as referidas empresas são donas de um capital social gigante, e que este é um dos parâmetros na fixação dos danos morais. Isso significa que, analiticamente, pode haver a tentativa de se criar uma “indústria da indenização”. Afinal, qualquer pessoa pode alegar estar viciada em redes sociais, como qualquer pessoa pode estar propensa a culpabilizar a Coca-Cola pelo seu consumo exagerado. Numa sociedade integrada por pessoas tecnicamente adultas, é legítimo alimentar uma expectativa mínima de autorresponsabilização. Portanto, quem figura no polo ativo destas demandas, de alguma maneira confessa, “sou um amental”, “não tenho o controle da minha própria vida”. É paradoxal que, na sociedade da informação e do conhecimento, os cidadãos demandem grandes empresas e o próprio Estado, sob o argumento de que estão sendo manipuladas como cobaias. Veja-se, por conseguinte, que há alguma consciência, a de que existe um aliciamento, mas, ao mesmo tempo, confessa-se a incapacidade de determinar-se segundo este mesmo entendimento. Se as pessoas estabelecessem prioridades, reservando tempo às mídias apenas quando estivessem liquidados os compromissos profissionais, financeiros e acadêmicos, a presente discussão inexistiria. O de que se trata, destarte, não toca ao uso de mídias, tão somente, mas respeita à perda da capacidade de sermos gente, adultos, conscientes, críticos e responsáveis. O Magistrado que conhecer destas demandas deveria pontuar estes pesares, quando da prolação da sentença. Talvez um puxão de orelha de uma autoridade alumie o caminho destes que tateiam em meio ao breu. Luz!