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Qualidade ou reserva de mercado?

Nos últimos dias saiu portaria do MEC revogando autorização de funcionamento de (alguns) cursos superiores na modalidade EAD. Tratou-se de um retrocesso, pois a decisão compreende cursos que já vinham funcionando nesta modalidade. Vários cursos foram atingidos, incluindo todos na modalidade de licenciatura. Mas a eficácia da decisão é do momento da publicação para frente. […]

Por Israel Minikovsky 16 min de leitura

Nos últimos dias saiu portaria do MEC revogando autorização de funcionamento de (alguns) cursos superiores na modalidade EAD. Tratou-se de um retrocesso, pois a decisão compreende cursos que já vinham funcionando nesta modalidade. Vários cursos foram atingidos, incluindo todos na modalidade de licenciatura. Mas a eficácia da decisão é do momento da publicação para frente. Os cursos em andamento seguem do modo como se encontram. O grande argumento para a medida está calcado no déficit de qualidade. Todavia, em nosso ponto de vista, o argumento não colhe. Nas avaliações do MEC, recorrentemente, os acadêmicos do EAD demonstram maior proficiência que os acadêmicos do presencial homólogo. Acreditar que simplesmente fechar os cursos na modalidade EAD repercutirá no sentido do aprimoramento é uma falácia, sem nexo lógico ou amparo na realidade empírica. Aliás, é preciso dizer que os cursos presenciais também têm se mostrado aquém daquilo que seria de se esperar. Em mais de 2 mil municípios brasileiros, a única oferta de curso superior é através da modalidade EAD. A medida, portanto, acarretará aquilo que chamaram de “apagão”, substantivo, diga-se, muito bem escolhido. Dizer que o EAD é a mercadologização da educação é verdadeiro, porém, cumpre consignar algumas ressalvas. Universidades de constituição jurídica nos moldes de ente fundacional, que, em tese, não visam lucros, igualmente, ofertam cursos EAD. O que, de per si, relativiza a crítica de fundo mercadológico. Dizer que o EAD deve ser extinto porque massifica a educação, sem embargo, outrossim, não calha bem. A Revolução Industrial também patrocinou uma avalanche de massificações, e isso não retira seu caráter positivo. Em tempo, a massificação de procedimentos ou dinâmicas sociais é medida que se recomenda, se desejado é o seu resultado. É absolutamente verdadeiro que por trás da oferta de cursos existe um interesse, de primeira linha, econômico. Uma atividade econômica carece alçar uma magnitude suficiente o bastante para ingressar no mercado de capitais. A questão quantitativa ou de volume é uma realidade. Isso, entretanto, não desvalida o mérito da oferta dos cursos, quaisquer que sejam suas modalidades de oferta ou acesso. Eu posso ter poucos cursos de baixa qualidade, ou muitos cursos de boa qualidade. A qualidade é inerente às coisas que se mensuram, entrementes, não fica refém daquilo a que se apega. O EAD é uma revolução, e o seu retrocesso, uma involução. Pode-se, inclusive, comparar o fenômeno, respectivamente, à Revolução Francesa e à Restauração. Inserir o mundo universitário dentro da rede mundial de financeirização corresponde a admitir que, como já alertara Marx, o modo capitalista de produção gera as suas próprias contradições. O aforisma que defendo é este: fiscalizar sim, fechar não. O EAD é uma sistemática que se adéqua ao Brasil, país de dimensões continentais que é. Gize-se, ainda, que países de reconhecida idoneidade e de elevado IDH fazem uso do EAD. Existem aspectos estruturais relacionados à educação no Brasil. Todavia, o conjunto das melhores estruturas nada pode fazer se o ser humano, insubstituível, com todos os computadores, sistemas e robôs, não devotar sua vontade à consecução do escopo da educação. Penso que não erramos quando facultamos o poder de voto a todo cidadão. E tenho certeza cabal de que acertamos ao principiarmos uma universidade de portas abertas. É preciso definir exatamente o que o acadêmico deve saber, dominar, quais as capacidades e proficiências que ele deve estar apto a exercer. Quanto maior a objetividade melhor. Ao que me consta, ficar fazendo hora em bancos universitários, sem exigência de devolutivas, nada resolve, em nada transcende o tão criticado EAD. Pela experiência que tive, tanto no presencial quanto no EAD, uma carga horária enxuta e melhor aproveitada, é muito mais assertiva do que o seu exato oposto. O presente retrocesso é o rosto dos mesmos personagens que militam contra a pesquisa científica no Brasil, se assenhoreando dos cursos de mestrado e doutorado, sempre sob o pretexto da qualidade. Outros países, várias vezes menores que o Brasil, formam um número de mestres e doutores exponencialmente maior, cuja qualidade sequer pode ser colocada sob suspeita. Será mesmo o nó górdio, a questão da quantidade? Algo pequeno ou grande, bem administrado, funciona. Algo pequeno, à matroca, é um elefante branco. Luz!