Muito pior do que dezembrite
Todo dia é posto em circulação um “novo” neologismo (com o perdão da redundância), e, se estes novidadeiros termos prevalecem, é porque, realmente, revestem um novo conceito, até então fora de uso. Faz parte desse léxico o vocábulo “dezembrite”. Ele rotula o sentimento de frustração por que passamos, quando chega o fim de ano, e […]
Por Israel Minikovsky 16 min de leitura
Todo dia é posto em circulação um “novo” neologismo (com o perdão da redundância), e, se estes novidadeiros termos prevalecem, é porque, realmente, revestem um novo conceito, até então fora de uso. Faz parte desse léxico o vocábulo “dezembrite”. Ele rotula o sentimento de frustração por que passamos, quando chega o fim de ano, e constatamos que não alcançamos as metas a que nós nos propúnhamos. Todavia, os maceioenses têm grandes razões, maiores do que aquelas que apoquentam no geral os mortais, para deplorar o fim de 2023. Não faz muito tempo, presenciamos as catástrofes ocorridas em Minas Gerais, que avassalaram Brumadinho e Mariana. O problema, agora, está em Alagoas, na capital, Maceió. A empresa Braskem há anos vem retirando sal do subsolo da referida cidade, e agora, por conta do desmoronamento subterrâneo, a superfície de ao menos cinco bairros, Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Farol, sofre afundamento, o que faz impactar a vida de mais de 60 mil pessoas. O sal extraído destina-se à indústria química. Ocorrências dessa natureza exibem a falta de perícia e idoneidade nas iniciativas privada e pública. As atividades de extração estavam calcadas em laudos falsificados. De duas, uma: ou se trata de picaretagem ou se trata de imperícia profissional. Nenhuma atividade de mineração pode ser instalada e colocada em funcionamento sem a respectiva licença ambiental. Pessoa jurídica é uma ficção, ela pode ser responsabilizada economicamente. São pessoas físicas que assinam ART – Anotação de Responsabilidade Técnica. E mesmo que um projeto seja endossado por um profissional de engenharia, incumbe ao funcionário público competente, revisar e fiscalizar o documento e tudo aquilo que ele atesta. É preciso observar critérios objetivos e técnicos quando da liberação de atividades geológicas ou pedológicas. Ocorrências como esta colocam o Brasil entre os países mais atrasados do mundo. As atividades econômicas devem submeter-se a protocolos de segurança, no que toca a direitos coletivos e ambientais. Além de o caso espelhar a mais paradigmática falta de planejamento, característica que acompanha todos os inexperientes, ele é a prova cabal da relação espúria entre o setor público e o privado. Favoritismo ou favorecimento sempre dá nisso. As autoridades começam a se articular quando as coisas já estão desabando, figura de linguagem que, nesta específica e triste situação, pode ser empregada literalmente. O Ministério Público e o Poder Judiciário devem ser tão severos com esse tipo de circunstância, seja pela inflição de pena privativa de liberdade, seja pela imposição da obrigação de indenizar, preconizando sempre o teto da dosimetria à espécie em comento, de modo que restem os agentes da aludida conduta, completamente desestimulados a proceder uma eventual repetição. Chega de abarrotar o sistema prisional com apenados por bagatela, chega de atenuar a responsabilização criminal de acusados de lesa-coletividade. Pleiteia-se pela isonomia, pela imparcialidade, pela igualdade de tratamento. Não podemos ter um direito penal para ricos e um direito penal para pobres, nem podemos ter um único sistema penal que faz acepção de pessoas. Recomenda-se, inclusive, que seja criada uma figura típica e antijurídica nova, quer seja ela, o conluio entre agentes privados e estatais visando ao enriquecimento ilícito, tendo como vítima a sociedade como um todo. A percepção de lucros é privada. O prejuízo é público, pois se rateia a salgada fatura entre os administrados contribuintes. Alguém ainda tem alguma dúvida de que o gestor do erário terá de pôr a mão na verba pública para socorrer os atingidos pela pueril empreitada? É assim que as coisas funcionam no Brasil, dos primórdios, até os dias de hoje. Até quando? Faz a mídia excelente trabalho ao divulgar dentro do Brasil, e fora dele, casos como este. Como nos idos de antigamente, dizia o guardião do pudor, “pode ser que criem vergonha na cara”. A situação em apreço chega a refrescar minha memória, quando eu, seminarista e “oitavanista”, fitava minha atenção na fala do professor de língua portuguesa, no instante em que um colega lia erradamente uma palavra pela segunda vez: “fulano de tal, você não é burro, o burro não tropeça duas vezes na mesma pedra”!