Contramajoritariedade: que palavra é essa?
O Supremo Tribunal Federal, a máxima Corte da República Federativa do Brasil, é o guardião da Constituição Federal. Essa incumbência, implica defender a Carta Política Maior do nosso país, inclusive quando, quem se opõe aos seus princípios norteadores, sejam os ocupantes de cargos no Legislativo ou Executivo. E essa contraposição não se direciona às pessoas […]
Por Israel Minikovsky 17 min de leitura
O Supremo Tribunal Federal, a máxima Corte da República Federativa do Brasil, é o guardião da Constituição Federal. Essa incumbência, implica defender a Carta Política Maior do nosso país, inclusive quando, quem se opõe aos seus princípios norteadores, sejam os ocupantes de cargos no Legislativo ou Executivo. E essa contraposição não se direciona às pessoas ocupantes destes cargos, somente, mas aos poderes constituídos, enquanto componentes do modelo tripartite montesquieuano. Como os poderes Legislativo e Executivo respaldam sua legitimidade mais diretamente ou vinculativamente ao clamor democrático, o Judiciário, além de não poder apelar para o discurso segundo o qual encarna a vontade da plebe, ainda acumula o dever de restringir as vontades dos outros dois poderes. Contextos eventuais podem sinalizar convir relativizar dispositivos constitucionais, o que não se sustenta numa visão de maior prazo. E os guardiões togados da ordem jurídica constitucional se veem na inderrogável obrigação de pontuar o que é certo e o que não é certo, o que é constitucional e o que não no é. No momento máximo de fragilização das Altas Cortes é que vemos a relevância de suas atribuições. Parece estar havendo um consenso generalizado por mudanças profundas e radicais, à exceção das Altas Cortes. E as armas que estes Senhores do mundo jurídico possuem à sua disposição, são estas: princípios, valores, axiomas, racionalidade, bom senso, argumentos, ética e democracia. Uma maioria política eventual, aglutinada por uma narrativa do desespero, sobrepondo a responsabilidade por uma espécie de catástrofe do universo aos movimentos e partidos políticos de viés popular, redundou no aumento de cadeiras ocupadas por agentes representantes da ultradireita, cujo panorama consectário se traduz em almejar a completa destruição do direito nacional e suas mais sagradas instituições. E o Poder Judiciário, embora seja, no mínimo, tão democrático quanto os dois outros poderes, precisa suportar sozinho toda a carga de pressão política e social, voltada à revogação do que é irrevogável, precisa fazer valer a Constituição e os diplomas legais que a suplementam, a despeito da oposição do Legislativo e Executivo, e toda a articulação popular que eles mobilizaram para vergastar a magistratura. Esse dever, seja ele, ter de enfrentar o Legislativo e o Executivo, ter de enfrentar, ainda, a sociedade, para o bem da própria sociedade, e para o bem dos próprios Legislativo e Executivo, tendo como espada em sua mão, o tomo impresso da Constituição Federal, a isto é dada a designação de “contramajoritariedade”. Para ficar bem simples: O Judiciário é contra a maioria, pelo bem da maioria. Quem sabe o que é melhor para a coletividade é ela mesma, eu não tenho a menor dúvida disso. Mas a organização de uma sociedade, seja ela qual for, assenta-se sobre alicerces que oscilam em profundidade, quero dizer que, efetivamente, existem camadas. Aproveito para falar um pouco da minha trajetória: fiz graduação em ciências jurídicas durante cinco anos, e, ato contíguo, entrei numa pós-graduação de um ano, com aulas diárias. Após seis anos de estudos teóricos comecei a advogar, e lá já se vão, praticamente, mais dezessete anos. Logo mais, portanto, celebro bodas de prata com Têmis. O que estes anos me ensinaram foi isto: o instrumental que temos hoje à nossa disposição não veio do nada, e erra grande quem pensa que é fácil, fácil, construir algo melhor e mais eficiente. A discussão de agora gira em torno disso: querem desfalcar o Judiciário de suas discricionariedades, na perspectiva de que ele, como Poder, estaria extrapolando seus limites e “atrapalhando” o avanço nas pautas do Legislativo e Executivo. Ouçam o que eu digo: as pessoas não sabem com o que estão mexendo. Degustem tratados de constitucionalismo, visitem o garantismo, entendam o que é Teoria Geral do Processo, o que é e para que serve separação dos poderes, o que abarca devido processo legal, previsão legal, organização do Estado, história do direito, duplo grau de jurisdição, teoria piramidal do direito, legalidade, democracia, direito de ação, estabilidade da ordem jurídica, cláusulas pétreas, impessoalidade, pluralismo, direitos fundamentais, dentre outros. Estamos arremessando pedras sobre todas estas coisas, precisamente elas que são a nossa maior defesa. Convenceram-nos de que os ministros do STF constituem óbice aos interesses do país. Em verdade, eles estão no Planalto Central para dizer que, num país como o Brasil, o povo ainda importa. É isso, luz!