O que foi que deu no rapaz?
Em Bauru, Estado de São Paulo, no dia 02 de maio de 2024, foi o que aconteceu: um adolescente de dezesseis anos, acompanhado pela mãe e pela tia, adentra a uma agência bancária, e o instante de distração do segurança é “aproveitado” para o moço puxar a arma do coldre e atirar contra o seu […]
Por Israel Minikovsky 16 min de leitura
Em Bauru, Estado de São Paulo, no dia 02 de maio de 2024, foi o que aconteceu: um adolescente de dezesseis anos, acompanhado pela mãe e pela tia, adentra a uma agência bancária, e o instante de distração do segurança é “aproveitado” para o moço puxar a arma do coldre e atirar contra o seu próprio portador. O tiro atinge o pescoço da vítima, que se deita no chão. Na sequência, o adolescente coloca a arma no chão. Outros seguranças se aproximam, e a mãe protege o filho colocando o próprio corpo na frente para o rapaz não levar tiro. Então, o adolescente é contido e conduzido à Fundação Casa. O segurança alvejado foi conduzido ao Pronto Socorro Central (PSC) e não correu grande risco, em que pese o projétil ter atingido um ponto crítico, como é o pescoço. Mais que caracterizada a falha humana do agente de segurança. Uma distração imperdoável. Mas do que eu quero falar mesmo é do adolescente. A mãe acha que ele teve um surto psicótico. Por que, afinal, ele fez o que fez? O adolescente vai à missa ou ao culto, e ele ouve do padre ou do pastor que, em se tratando dos bens espirituais, não temos mérito algum, pois todos os méritos são de Cristo. A nós compete ter fé, e mesmo a fé é um dom de Deus. Entrementes, pontuo: teologicamente esta ideia está corretíssima! O adolescente vai à escola e ele ouve do professor que, para a unidade escolar, não vai mudar nada ele ser aprovado ou reprovado. O adolescente vai à escola e deve dar uma chance a si mesmo, porque para a sociedade, não vai fazer diferença alguma um a mais ou um a menos, no presídio ou no mercado de trabalho. O adolescente precisa da sociedade, mas a sociedade não precisa do adolescente. E, na real, do ponto de vista numérico esta fala não está, a rigor, errada. No primeiro emprego, o empregador esclarece ao adolescente que ele deve ser responsável porque, afinal, é a primeira experiência de trabalho, e todos o estão observando. É bom ele caprichar, porque “o cavalo encilhado só passa uma vez”. É dito que qualquer outro poderia estar ali. Para empresa tanto faz ali estar Pedro, João ou André, pois as pessoas estão fazendo fila em busca de uma vaga. A oportunidade de trabalho faz diferença para o adolescente, sendo falsa a recíproca inversa. E, honestamente falando, isto também é pura realidade. Por conseguinte, como o adolescente é um elemento neutro, que não faz a menor diferença para ninguém, exceto para si mesmo, ele encarou aquela arma de fogo, carregada, de livre acesso, como uma oportunidade de romper com a invisibilidade e aparecer para a sociedade e para si mesmo. A adolescência é uma fase da vida marcada pela busca de status e autoafirmação. E se percebe um contraste entre aquilo que o ser humano em formação desejaria para si e o que lhe é socialmente reservado. A imprevisibilidade de que estamos falando também denota uma falta de referência. A atitude que marcou a ocorrência seria, destarte, uma solicitação de restabelecimento de referência. E, deveras, a referência, agora, será ofertada ao adolescente, pois ele será acolhido no serviço de medidas socioeducativas, onde será feito todo um trabalho de ressocialização. Diga-se de passagem, este é um dos misteres mais relevantes dentro da política nacional de assistência social. Um filósofo consegue explicar a si mesmo que ele existe por meio do pensamento que indaga a si próprio. No ato da dúvida, ele sabe que algo deve duvidar (de si mesmo), deve, por toda força, haver uma res cogitans, uma coisa pensante. No entanto, é pouco plausível que um adolescente da periferia, marcado pelo viés de raça e condição social, consiga perfazer o mesmo trajeto do aludido pensador francês. Não se trata de discutir as limitações epistêmicas do padrão pensamental cartesiano, o de que se trata é de acessar um ambiente em que as pessoas em desenvolvimento se sintam alguém, e essa meta só é alcançável por convivência e fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Enquanto o adolescente for um absoluto nada, em todos os ambientes de que (não) participa, a única maneira de existir será testando a paciência e a resiliência psicológica dos supostos adultos. A ocorrência, outrossim, sinaliza uma falta de autonomia, o adolescente é refém da heteronormatividade. Logo, é urgente que ensinemos às novas gerações a serem as protagonistas da própria conduta moral, independente da existência ou não de um terceiro fiscal. Penso que esta autonomia se refletiria na sensação de autoexistência diante do outro e do entorno.