O sul é o meu país?
Em algum final de ano em que passei uma semanada na casa dos pais de minha esposa, o sogro me contou uma história que, segundo ele, teria ocorrido há uns cem anos, ligada a evento climático extremo. Ele relatava que, nos idos de antigamente, era praxe retratar o casal em fotografia abaulada, com moldura igualmente […]
Por Israel Minikovsky 14 min de leitura
Em algum final de ano em que passei uma semanada na casa dos pais de minha esposa, o sogro me contou uma história que, segundo ele, teria ocorrido há uns cem anos, ligada a evento climático extremo. Ele relatava que, nos idos de antigamente, era praxe retratar o casal em fotografia abaulada, com moldura igualmente arredondada nas quinas. Na região que hoje corresponde a Itaiópolis, Santa Terezinha, Papanduva e redondezas, teria sobrevindo um fenômeno climático raro e violento, acompanhado de fortes ventos, que derrubou casas e outras edificações. E o retrato matrimonial a que fiz alusão, teria sido encontrado a cinco quilômetros de distância da residência onde ele se encontrava. Não sou negacionista. Porém, a narrativa mostra que sempre tivemos, de tempos em tempos, situações climáticas excepcionais. Depois de aproximadamente oitenta anos, o Estado vizinho ao nosso experimenta novo excesso de chuvas, causadoras de enchentes exorbitantes. O pernóstico rompante que estigmatiza o gaúcho, característica essa que nós, catarinenses, também externamos, ainda que não queiramos, não impediu a remessa de ajuda de todos os pontos do território nacional. Refiro-me à ajuda da sociedade civil, dos cidadãos comuns na sua individualidade. Noutro viés, o governo federal, de igual forma, não praticou economia jurídica ou contábil no instante de endereçar recursos ao garrão do país. A grandeza territorial do Brasil fez com que o prejuízo meridional fosse mais facilmente diluído entre as unidades da federação que ficaram incólumes. É de se pensar, portanto: fôssemos integrados por apenas Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, teríamos músculos para contornar essa calamidade por conta própria? Não pretendo ser categórico, apenas lanço a pergunta para refletirmos. Quanto maior for o número de consortes a integrar o consórcio ou a entidade de seguro, maior a capacidade de reparar a perda. Matemática pura e simples. Precisamos, o quanto antes, começar a pensar nas grandes obras de estrutura, como vem fazendo, exemplificativamente, a China. A China livrou do terror da enchente milhões e milhões de pessoas com as cidades-esponja. As cidades precisam ter permeabilidade, e estrutura para acomodar volumes de água pletóricos, viabilizando o processo de drenagem de modo controlado. Esse planejamento de que falo tem de ir do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte. No nordeste do país há o problema da estiagem. Sabemos que no litoral há a Zona da Mata, um resquício da Mata Atlântica, depois o Agreste, depois o Sertão, e o Meio-Norte. Além do problema da ausência da umidade, é que, quando elas vêm, as chuvas são irregulares e mal distribuídas. Isso ocorre porque o Planalto da Borborema impede que as nuvens, vindas do oceano, se movam sobre a plataforma continental e precipitem, ali, suas massas hídricas. Nesse contexto, penso que uma saída seria a escavação orográfica, consistente em corredores eólicos, a permitir a passagem de nuvens e de massas de ar úmidas. A ideia de unidade nacional, que quero transmitir, abarca outros movimentos antrópicos. Não é preciso ser especialista em meteorologia para pressupor que o desmatamento da Amazônia impacta todo o planeta, e em maior medida, o sul global. Como teólogo que sou, não consigo conceber o desastre no Rio Grande do Sul como castigo divino, até porque foi o próprio Deus que elucidou que o primeiro dilúvio seria o último. Foi-nos submetida toda a natureza. O que existe, portanto, são consequências. Nós respondemos por aquilo que fazemos com a criação. Costuma-se dizer que Deus perdoa sempre, o homem, às vezes, e a natureza jamais. O momento é de empatia e caridade. Se há um lado positivo em meio a toda essa tragédia, é este: o povo gaúcho fez do Brasil um país de verdade, como se toda a nação fosse um único homem, surgem iniciativas de todas as extremidades, na convicção de que não apenas o gaúcho é um brasileiro, mas de que todo brasileiro é também, em alguma medida, um gaúcho de lenço e espora. Solidariedade é luz!