Seminário de Acolhimento Familiar
No dia 13 de junho de 2024, em São Bento do Sul, no auditório da UNVILLE, das 7h30min às 17h, ocorreu um seminário de acolhimento familiar, em que figuraram como palestrantes o Dr. José Roberto Poiani, Juiz da Vara da Infância e Juventude de Uberlândia e a Dra. Jane Valente, doutora em serviço social e […]
Por Israel Minikovsky 82 min de leitura
No dia 13 de junho de 2024, em São Bento do Sul, no auditório da UNVILLE, das 7h30min às 17h, ocorreu um seminário de acolhimento familiar, em que figuraram como palestrantes o Dr. José Roberto Poiani, Juiz da Vara da Infância e Juventude de Uberlândia e a Dra. Jane Valente, doutora em serviço social e pesquisadora Nepp/UNICAMP. A fala de abertura coube a Glaucia Mosqueta Schlepka, coordenadora do CREAS, que pontuou que o serviço já aniversariou 22 vezes. Dentre as autoridades que prestigiaram o evento, encontravam-se: a assessora de gabinete Suzana Beatriz Kotovicz Teles, representando o prefeito Antonio Joaquim Tomazini Filho, o promotor de justiça da infância e juventude da Comarca de São Bento do Sul Matheus Azevedo Ferreira, o juiz da 2ª vara cível da comarca de São Bento do Sul Felipe Nóbrega Silva, o secretário municipal de saúde Marcelo Marques, a secretária municipal de educação Tatiane Schroeder Alves, o secretário municipal de assistência social Jonas Renato Kieski, o secretário de assistência social de Rio Negrinho Matheus Henrique Guckert, o juiz da Comarca de Mafra Fernando Orestes Rigoni. Concedida a palavra a Jonas, secretário da SEMAS, ele instou que nossa preocupação é melhorar o mundo. Ele ainda acenou para a presença massiva de autoridades no evento. A pedagoga e secretária Tatiane expôs como modelo todos quantos fazem a diferença, em cada dia, em favor das crianças. Segundo ela, acreditamos no mesmo propósito, uma sociedade melhor, a começar pela atenção e cuidado às crianças. Ela consignou sua gratidão ao Judiciário, e afirmou realizar um trabalho desafiador. Seu desiderato foi que o dia se tornasse um momento de muita reflexão. Marcelo, da saúde, assegurou que vem fazendo uma aproximação com a SEMAS em todos os aspectos. Consoante sua fala, é preciso construir um portão para fins de comunicação e entendimento. Torceu para que o seminário traga um pouco mais de informação. O promotor Matheus comentou sobre a realização de reuniões com a gestão da SEMAS. Agradeceu ao Alex Sandro Schlepka, pessoa que capitaneou a organização do evento, a quem classificou como “pessoa excepcional”. O Sr. Parquet ainda cumprimentou ambos os palestrantes acrescentando-lhes o adjetivo de “vocacionados” para esta matéria. Ele ainda saudou os trabalhadores de assistência social de Campo Alegre, lembrando que o município vizinho integra a Comarca de São Bento do Sul, e fez honrosa menção às “duas Danis”. Ele admitiu que, para quem milita nesta área, é possível deparar-se com notícias tristes. É necessário quebrar ciclos de vulnerabilidades. Nessa história entra o acolhimento familiar. Faz-se um trabalho com a família de origem para preparar o retorno. Às vezes isso não é possível, e se encaminha para a adoção. Abre-se a oportunidade de conhecer novas pessoas de referência e de vida. A autoridade ministerial declarou ter muito orgulho do serviço de acolhimento familiar de São Bento do Sul e Campo Alegre. “Vi ali (no serviço) uma possibilidade melhor de dar um direcionamento”, comentou. Passa-se não só de reversão de uma situação infeliz, senão ainda para o vislumbre de um futuro brilhante. Reconheceu ser necessário ampliar o serviço de famílias acolhedoras em Santa Catarina. Dentre 1.374 casos sub judice que pertinem a esta matéria, apenas 221 crianças foram alocadas em famílias acolhedoras. Dentre os 295 municípios do nosso Estado, somente 71 tem serviço de acolhimento familiar. Sem mais delongas, encerrou sua mensagem desejando um bom seminário a todos. O magistrado Felipe comentou que o serviço de acolhimento familiar era inexistente nas duas comarcas em que ele havia atuado. Ele disse que a assistente social Isabel Bittencourt é referência nacional e que a comarca de São Bento do Sul é pioneira. Já com a palavra, Suzana afirmou que “acolhimento” é a palavra-chave. Ela reforçou a relevância da presença maciça dos que congregavam na data, hora e local do evento. Ela disse que essa política é feita por momentos desafiadores e demandas desafiadoras. É preciso fazer um trabalho conjunto. Comemorou o fato de sermos privilegiados, porque temos famílias diferenciadas. As pessoas que integram núcleos de famílias acolhedoras, na sua visão, estão dispostas não só a abrir as portas de suas casas, mas suas vidas e corações, transmitindo afetividade. “Toda nossa gratidão a essas famílias”, vocalizou. Na sequência, disse que acolher é fazer parte de uma transformação de vida. Ela reafirmou o compromisso do município com essa política. O seminário deve ser visto, sugeriu, como oportunidade de aprendizagem e aquisição de entusiasmo. Em nome do prefeito, deixou um abraço a todos, fazendo votos para um ótimo evento. Foi exibido um vídeo institucional que resgatou algumas datas importantes. Em 07 de julho de 2002 o serviço teve seu início. Em 2005 o serviço foi municipalizado mediante lei própria. E em 2019, a atividade deixou de ser um programa para se tornar um serviço de alta complexidade. Ao longo destes anos, 293 crianças e adolescentes foram atendidos pelo serviço em comento. De acordo com Dietrich Bonhoeffer, “o teste de moralidade de uma sociedade é o que ela faz com suas crianças”. Alex agradeceu à sua equipe e a chamou para frente. A equipe, além do próprio Alex, é composta por Mirela Carolina Fix, Claudiceia Franco de Oliveira Terres e Viviane Aparecida Hinke. O município de Rio Negrinho agora também tem o serviço de acolhimento familiar. Ao menos quinze municípios enviaram representantes ao evento. Alex ainda agradeceu ao departamento de compras da SEMAS, na pessoa das técnicas, Rosângela e Solange, sem as quais o evento não seria possível. Ele ainda agradeceu ao Grupo de Trabalho (GT) do acolhimento familiar. Agradeceu ainda ao departamento de comunicação do município e à UNIVILLE, que cedeu o espaço, aos palestrantes e às famílias acolhedoras. Dando prosseguimento, tivemos um momento de apresentação de boas práticas. A psicóloga Patrícia da Silva Caetano apresentou a iniciativa joinvilense “Divulgar para acolher” que visa ampliar a captação de famílias acolhedoras. A ideia seria estender o conhecimento do trabalho feito e aumentar o número de crianças acolhidas. A divulgação é feita o ano todo, com maior ênfase nos meses de janeiro e dezembro. Foram remetidos 75 e-mails com fins de divulgação para diversos departamentos públicos e outros locais. Também houve divulgação em eventos vários. Fez-se divulgação em igrejas que acionaram uma rede de outras, da mesma denominação ou afins. A equipe marcou presença em missas e cultos, foi conversado com padres e pastores. No dia 31 de maio, que é o dia mundial do acolhimento familiar, foi realizada uma palestra por uma família acolhedora. Algumas turmas de faculdades foram abordadas, como os cursos de psicologia, enfermagem, direito, dentre outros. A equipe foi recebida, outrossim, por algumas empresas privadas. Foram enviados mais de 900 e-mails para pais, professores e profissionais da educação. Realizou-se panfletagem na feira do livro e em outras datas festivas do município. Existe, não poderia deixar de mencionar, a divulgação pelas próprias famílias acolhedoras. Ou seja, famílias indicadas por outras famílias. Em 2020, ainda no contexto do município de Joinville, 1.170 pessoas foram alcançadas pela mensagem em palestras. Foram encampadas 204 ações. Foram proferidas 11 palestras em espaços religiosos. Realizaram-se 127 visitas familiares. Foram concedidas 6 entrevistas em rádio e televisão. E mais 6 palestras ocorreram em instituições ou empresas. Neste mesmo ano 23 famílias acolhedoras foram habilitadas. Em 2023, foram 18. Hoje, em 2024, Joinville tem 43 famílias ativas. Lembrando que tem habilitações, mas desligamentos também. A divulgação não pode ser específica, mas contínua. Encerrada esta apresentação, a equipe de São Bento do Sul, do serviço de acolhimento familiar, apresentou a boa prática “Acalento”. No ano de 2019, marcado pela Covid-19, houve perda ou desligamento de famílias. Também houve famílias que só acolheram uma única criança. A ideia foi confeccionar bonecas ou bonecos que representassem a criança acolhida pela família. Ao final do acolhimento é entregue o boneco e uma cartinha. A equipe deixa na casa da família uma sacola (com o boneco) e uma pasta (com a carta) e estes receptáculos só são abertos após o egresso da equipe, do ambiente doméstico da família parceira. O intuito é criar memórias positivas da vivência com a criança ou adolescente. Para cada família tem uma cartinha personalizada. O boneco tem as características da criança acolhida. Após todos estes introitos, o palestrante José Poiani principiou sua exposição. Ele gizou a presença de três secretários, o que, para ele, é uma raridade. Parabenizou os municípios que ali se fizeram presentes pelos respectivos prepostos. Anunciou que assim como o Dr. Matheus trouxe alguns dados do Censo SUAS, traria alguns dados do CNJ. De acordo com ele, Santa Catarina e Paraná são referências no serviço de famílias acolhedoras. O palestrante conheceu Alex em Pomerode, e dali saiu a ideia de organizar o presente evento. Somos incompletos e sempre estamos nos construindo. Precisamos renovar nossas ideias. Muitas vezes somos premidos por estatísticas e produtividade, mas as ações do ECA devem receber tratamento preferencial. Os dispositivos contidos nos arts. 226 e 227 da Constituição Federal são nosso norte. O direito das crianças e adolescentes são absoluta prioridade, figurando como responsáveis pelo adimplemento desta obrigação, a família, a sociedade e o Estado. O art. 4º do ECA determina que os três obrigados referidos na proposição anterior assegurem a crianças e adolescentes: primazia na proteção, precedência no atendimento público, preferência na elaboração de políticas e privilégio na destinação de recursos financeiros. No art. 4º, § 1º, do Marco Legal da Primeira Infância, é preconizado um olhar preventivo ao público infantojuvenil, com maior atenção para o período de zero a seis anos. O centro do cuidado jurídico recai sobre a criança, tendo como foco o agente protetor família. O art. 19 do ECA sinaliza para o direito de ser criado preferencialmente no seio da própria família. Contudo, não se pode biologizar em excesso, porque, às vezes, a adoção é a solução. Muitas vezes a família alvo da atenção conta com numerosos filhos e o atendimento se alonga, sem que haja um prazo em lei. Não se verifica desenvolvimento, somente procrastinação. É necessário que haja um planejamento. Aconselha-se construir um Plano Individual de Atendimento – PIA. Não se pode eternizar o acolhimento. Mas não há solução certa para todos os casos. Cada família é uma família, logo, respeitem-se as peculiaridades. O fato é que, o pai natural também tem que adotar seu filho. Deve haver não só o sangue, mas também o afeto. A adoção é o estabelecimento do vínculo emocional. Deve-se refletir sobre a conveniência e a inconveniência da judicialização e da desjudicialização. O ECA, no art. 100, estabelece algumas diretrizes: interesse superior, intervenção precoce, intervenção mínima, proporcionalidade, atualidade, prevalência da família. Por vezes, a criança não quer ser acolhida; ela não acredita que uma família estranha seja melhor que a sua natural. O adolescente diz “eu quero estudar, trabalhar, estar num abrigo e seguir minha vida”. Nós não conseguimos cuidados intensivos em espaços coletivizados. O acolhimento, em alguns casos, é a única ou melhor opção. Mas lá, a regra é o celetismo. E, não raro, verifica-se rotatividade de técnicos ou transferência da criança entre abrigos. Na ausência de república, sugere o palestrante, calharia prorrogar o investimento financeiro até os 21 anos de idade, para compensar. Por exemplo, o adolescente ou jovem pode estar fazendo faculdade. Ora, se ele pode ficar internado até os 21 anos, porque não poderia receber um benefício coincidente com este mesmo marco temporal? A audiência de custódia tem de ser humanizada para a criança e o adolescente. É um momento de conhecer pessoas. Na audiência de custódia não pode haver amadorismo, improvisação, falta de capacitação. Um documento jurídico de referência, para a área, é a Recomendação Conjunta n. 2/2024, do CNJ, do CNMP, do CONANDA, do CNAS e do Governo Federal. Tivemos 350 acolhimentos nesses 10 anos de serviço em Uberlândia. Durante a pandemia foram flexibilizados os critérios de acolhimento familiar, com o fim de evitar o ambiente coletivizado. Isso redundou, inclusive, no acolhimento de mais de uma criança na mesma família, ainda que não fossem irmãos. Os adolescentes não gostam da república, eles querem autonomia. Porém, o serviço deve existir, por ser, em alguns casos, necessário. O palestrante ilustrou com um caso real, em que no ano de 2019, uma mãe perdeu um filho de 19 anos para a Covid, a qual só teve forças para deixar o hospital, onde estava seu filho morto, porque na sua casa ela tinha um menino de 7 anos acolhido. Chegando em casa, ela deitou a cabeça sobre o colo do menino, que lhe disse, “eu vou cuidar de você”. Então fica a pergunta: quem cuida de quem? De acordo com o advogado Pedro Arthur, jurista nominalmente citado pelo palestrante, o sistema de justiça tem que ser: sensível, acessível e amigável. Não se deve nem romantizar demais e nem demonizar demais. Celeridade não é açodamento, ou atropelamento, é prioridade. Deve-se respeitar o tempo da criança. Se a família está no cadastro para adoção de um bebê, não há problema que ela seja família acolhedora para um adolescente. Encerrada esta exposição matinal, houve um intervalo para almoço, a partir das 12h, e retornamos às 13h30min. Guarnecidos pelo almoço, demos nossos ouvidos à segunda e última palestrante do dia, Dra. Jane Valente. Em verdade, a véspera começou com um bate-papo com a servidora pública Solange, a primeira família acolhedora do município. No palco com formato de sala de conversa estavam Solange, Alex e Jane. A primeira pergunta endereçada a Solange foi esta: o que é ser uma família acolhedora? O que te levou a ser uma família acolhedora há 22 anos, e qual a tua visão a respeito no dia de hoje? A entrevistada relatou que trabalhava no fórum, e uma criança ficou desamparada, motivo pelo qual queriam deixá-la no hospital, ao que ela se predispôs a levá-la consigo, para casa, passando ali o final de semana. “O menino acabou ficando 3 meses em minha casa”, conta. A principal mudança foi a quebra de rotina. Foi uma forma de dar exemplo para os nossos filhos. A situação da criança acolhida nos despertou para a valorização da família e dos recursos materiais que temos. Fomos brindados com lições respeitantes a partilhas. Partilhas de espaço, brinquedos, e até do pai e da mãe. Outra ideia foi construir uma corrente de solidariedade, incentivando outras famílias a fazerem o mesmo. “As crianças vêm sem nada e te dão tudo”, resumiu a entrevistada. Em 17 anos Solange acolheu 34 crianças. Ficou 5 anos afastada por motivos pessoais e no ano passado resolveu ativar o cadastro. Ela tinha a percepção de que estava desperdiçando oportunidades que poderia dar às crianças. Sua mensagem final foi essa: “Não tenha medo de amar, você vai sair ganhando muito mais”. Encerrado este momento do cronograma, tivemos outro painel, em que Anderson Alves, um ex-acolhido, prestou seu depoimento sobre a experiência que tivera como criança integrante do serviço de acolhimento. O egresso do acolhimento familiar hoje tem 28 anos, e foi acolhido com 10. Disse ele: “Sou casado e tenho dois filhos. Uma filha de 2 anos e um filho de 4 meses. Fui acolhido por 8 anos, dos 10 aos 18. A última família acolhedora foi a Marisa do Amaral”. Marisa é a pessoa que responde, hoje, pelo departamento contábil da SEMAS. Empós as duas rodadas mais informais e mais empíricas, chegou o momento de ouvirmos a professora Jane Valente. Ela pontuou que são poucos os casos de acolhidos que hoje já são adultos. Eles são reflexos dos resultados. A palestrante fez questão de destacar que é membro do Movimento Nacional Pró-Convivência Familiar e Comunitária. Ela milita pela efetivação das ações do PNCFC 2006. Pensava-se, antes do serviço, que as crianças nos orfanatos, não tinham pai, mãe ou responsável. Mas o IPEA mostrou que 84% tinham família. A maioria das crianças estava ali por problemas de pobreza. Ora, é um problema constitucional. Essa pesquisa foi por amostragem. Então se decidiu fazer uma pesquisa universal. Ela recomendou o sítio https://familiaacolhedora.org.br/ onde há materiais disponíveis. A pergunta lançada foi: qual o lugar que o serviço de família acolhedora ocupa no nosso país? Na nossa legislação? A década de 80 é marcada pelos movimentos sociais reivindicatórios. No sítio encontra-se o livro laranja, que é um resumo de sua tese de doutorado. Em São Paulo, havia na capital, uma central de vagas. E se a vaga estivesse no interior do Estado, a criança ia para lá, e, frequentemente, a família não tinha nem condições financeiras de fazer a visita. Daqui nasce a noção da família como centro, nuclear ou extensa. O ECA foi aprovado logo em 90 porque já havia um debate e um estudo profundo anteriormente. A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) só se consolidaria em 2004, graças à democracia do momento que empoderou o Partido dos Trabalhadores. A CF/88 é uma constituição do tipo dirigente. Ela não aprovou um país que tínhamos, mas que precisávamos ter. Trabalhou-se com metas programáticas. No dia seguinte à promulgação da Carta Magna, o Estado não podia cumprir os dispositivos constantes de sua tecitura. Houve mudança de paradigma político: antes o Estado mandava e nós obedecíamos, e, doravante, precisaríamos sentar juntos para resolver nossas demandas. Os cidadãos formam uma “comunidade de intérpretes”. Todos somos operadores do direito, inclusive a assistente social. É no processo e não no fim que está a riqueza da Constituição Federal. Sposati fixa três parâmetros de ação eficaz: 1) Responsabilização do órgão público estatal; 2) Política Pública de Assistência Social em consonância com o caráter dirigente da CF/88; 3) Ações corresponsabilizadas. Nós precisamos tirar a criança do risco. Ela vai continuar em vulnerabilidade social, porém fora de risco. Mas, se continuar em risco, pode desencadear novas vulnerabilidades. O risco social não é só da assistência social, mas da saúde, da educação, da segurança, etc. Não podemos negligenciar direitos sob pena de comprometer a proteção integral. A família deve ser bem cuidada (pelo Estado) para que ela possa cuidar dos seus membros. Precisam ficar afiançadas certas seguranças: vida, convivência, proteção. “Nosso trabalho é artesanal”, versejou a palestrante. Existe uma especificidade dentro da universalidade. Trabalhamos com a transversalidade dos direitos humanos. Precisamos sair da subordinação e partir para a cooperação. O Sistema de Garantia de Direitos trabalha com três eixos: defesa (Judiciário), promoção (Executivo) e controle (Conselhos, Tribunal de Contas). A nossa realidade é a da intersetorialidade. Ela é marcada por: incompletude institucional (o que existe no território concorre para o interesse da criança, é preciso contar com a rede local); trabalho integrado; territorialidade; e formação continuada. O que cabe a quem no SGD? É necessário que os papéis sejam claros, precisamos construir, além disso, fluxos e protocolos. A proteção integral envolve assistência social, saúde e educação. Certas famílias requerem olhares mais atentos e mais demorados. Por exemplo, uma família que há seis gerações é marcada pelo incesto. É um problema transgeracional, o que implica uma maior quantidade de tempo. É um caso típico, que não pode ser comportado dentro da regra do “um ano e meio” do ECA. Da totalidade dos acolhimentos, 91,78% são institucionais e 8,22% são familiares. Não precisamos nos preocupar com falta de estrutura do Estado quando o assunto é direito da criança. Crianças com medida protetiva são apenas 0,06% do total, o que torna factível um atendimento compatível com o princípio da “prioridade da prioridade” (sic). A palestrante chama a atenção da plateia para a relevância do cadastro. Ela ilustra: um acolhido que na fase adulta vai para a terapia psicológica recebe orientação para buscar, na SEMAS, as informações familiares de que ele não lembra. Uma criança não pode ser atendida por anos e, no fichário, ter apenas algumas linhas. Deve-se evitar a perspectiva instrumental ou culpabilizante e fortalecer a valorização da família. Devemos tomar cuidado com a ultrageneralização: falar em “família do drogadito”; ou nasce “mais uma criança-problema”. Cada indivíduo é um indivíduo. Um plano de ação com cada família poderia ser estruturado temporalmente mais ou menos assim: 1) 1º mês; 2) 2º e 3º mês; e 3) 2º trimestre. A palestrante fez alusão ao Projeto de Intervenção Precoce em Bucareste. Na Romênia as mulheres eram obrigadas a engravidar. O ditador queria formar seu exército com essas crianças. O ambiente institucional sempre fica aquém do familiar. O profissional, por exemplo, trabalha na escala 12 horas x 36 horas. A criança recebe atenção de pessoas diferentes, há uma quebra na relação. Já na família acolhedora existe uma continuidade. Segundo dados tidos como científicos, 80% das nossas conexões cerebrais são realizadas de 0 a 6 anos. Sendo assim, emergem dois princípios de orientação: 1) Quanto antes a intervenção, melhor; 2) Antes tarde do que nunca. No Ministério de Desenvolvimento Social (MDS) são ofertados cursos gratuitos sobre famílias acolhedoras. Nem toda criança violentada violentará; mas toda criança que violenta foi violentada. Nós precisamos compreender as possibilidades das famílias, mesmo diante das vulnerabilidades sociais. Fica o lema: “Não institucionalizar crianças: compromisso de todos!” O encontro foi de muita luz!