Criança deve trabalhar?
A canção infantil entoa “criança não trabalha, criança dá trabalho”, da autoria de Arnaldo Antunes e Paulo Tatit. Indo diretamente ao ponto: criança deve trabalhar? Eu responderia que sim. Trabalho é qualquer esforço com o objetivo de redundar num resultado útil. Dentro da abrangência deste conceito, o próprio estudar seria um trabalho. Além disso, é […]
Por Israel Minikovsky 16 min de leitura
A canção infantil entoa “criança não trabalha, criança dá trabalho”, da autoria de Arnaldo Antunes e Paulo Tatit. Indo diretamente ao ponto: criança deve trabalhar? Eu responderia que sim. Trabalho é qualquer esforço com o objetivo de redundar num resultado útil. Dentro da abrangência deste conceito, o próprio estudar seria um trabalho. Além disso, é importante que a criança vá fazendo pequenos trabalhos domésticos, a fim de aprender a assumir responsabilidades. Sou contra o trabalho infantil remunerado. A PEC 18, de 2011, pretende legalizar o trabalho infantil a partir dos 14 anos. A carga horária máxima ficaria circunscrita a 25 horas semanais. O relator do projeto é o deputado federal Gilson Marques do Novo. Atualmente, a pessoa com 14 anos pode começar a trabalhar na qualidade de aprendiz. A aprendizagem da proposição anterior, a que nos referimos, tem a ver com educação, escolarização e profissionalização. E é nesse viés que o legislador abre uma brecha e recepciona esta modalidade de trabalho, estamos ante uma proposta pedagógica em pleno ambiente de trabalho. Na legislação brasileira existe um instituto chamado Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), em que funciona como fiscal o Ministério Público do Trabalho. O Brasil é signatário de várias convenções entabuladas com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), e não cumprir o compromisso assumido resulta no incursionamento dos dispositivos sancionatórios aos inadimplentes. Em que pese a limitação da carga horária com o teto de 25 horas semanais, o trabalho realizado nesta faixa etária tem como efeito colateral interferir negativamente no estudo da criança ou adolescente. Já não será possível, por exemplo, escola em período integral. Ou atividades complementares à escola, como aprendizagem de idiomas, esportes, robótica, música, etc. O que parece ser uma baita oportunidade de emprego no dia de hoje, amanhã, que está logo ali, será subemprego ou desemprego. O debate é muito simples: qual metodologia que devemos adotar, o país que temos ou o país que queremos? Porque o país que temos é este: crianças e adolescentes estão na escola porque elas precisam ficar em algum lugar enquanto os pais trabalham. Mas se ela pudesse escolher, estaria em outro lugar, e não na escola. Ocorre que, o que a criança e o adolescente não percebem, é que, ao contrário do que dizem os tais “influencers”, o conteúdo ministrado na escola é utilíssimo e de uma valia incomensurável. Deste modo, a legalização do trabalho infantil viria ocupar e vincular a pessoa em desenvolvimento a uma atividade mais significativa para ela, desde que o estudo não lhe causa entusiasmo. Ainda é manejado o argumento de que, com a renda oriunda do trabalho, o adolescente poderia contribuir com a economia doméstica. Fato é que, uma pessoa de 14 anos de idade, não reúne todas as informações e a experiência suficiente para fazer uma escolha livre e consciente. O mínimo que um país deve ofertar aos seus cidadãos seria um ciclo de ensino que englobasse a educação infantil até o último ano do ensino médio, para que o estudante venha a ter condições de vislumbrar um rol, mais ou menos completo, do campo de estudo e trabalho. Colocar o adolescente como comerciário, repositor, empacotador, caixa, contínuo, auxiliar de serviços gerais, etc, com toda a dignidade intrínseca a estas atividades, que fique bem claro, tende a estreitar seus horizontes, transmitindo a noção de que a realidade concreta do mundo do trabalho pode dispensar maiores estudos. Por todo o exposto, creio que postergar o ingresso no mundo do trabalho, para os iniciantes, usando este tempo livre para desenvolver habilidades e competências, surte o efeito de gerar uma pessoa de perfil diferenciado, capaz de pôr em andamento seus próprios projetos, ao invés de engrossar as fileiras dos meros buscadores de emprego. A economia de um país depende de trabalhadores que agreguem valor, e este é o fim colimado pela escola e pela universidade, dentre outros mais elevados. Talvez, essa discussão legislativa, no parlamento do Planalto Central, esteja expondo a falta de integração entre os centros de estudo e os centros de trabalho. A sociedade contemporânea é policêntrica, então a palavra de ordem é articulação. Lugar de criança é na escola. Filhos não existem para serem explorados, existem para receber uma das maiores heranças, o estudo, a formação da personalidade. Reduzir o tempo de estudo da criança, para pô-la dentro de uma empresa, é acender uma vela e apagar um farol. Luz!