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PEC da anistia

Em 11 de julho de 2024, foi aprovada em primeiro e segundo turnos, no dizer de Cristiane Sampaio “no apagar das luzes do semestre legislativo” (em função da contiguidade com o recesso), a PEC que absolve partidos políticos do descumprimento das regras respeitantes ao fundo eleitoral. Uma das infrações consistiu em não repassar, na proporção […]

Por Israel Minikovsky 16 min de leitura

Em 11 de julho de 2024, foi aprovada em primeiro e segundo turnos, no dizer de Cristiane Sampaio “no apagar das luzes do semestre legislativo” (em função da contiguidade com o recesso), a PEC que absolve partidos políticos do descumprimento das regras respeitantes ao fundo eleitoral. Uma das infrações consistiu em não repassar, na proporção prevista em lei, o correspondente percentil aos candidatos negros. Além de não ter havido o correto repasse para candidaturas negras, a mesma PEC prevê, para doravante, redução de 50% para 30% do valor disponível para campanhas eleitorais, depositado no fundo partidário, para candidatos negros e pardos. O percentual de 30% para as mulheres permaneceu como estava. As dívidas dos partidos foram refinanciadas nestes termos: foi concedida total isenção de juros e multas, e o prazo de parcelamento se espraia por 180 meses, até a total quitação. A benesse aos partidos se estende a institutos e fundações por eles mantidos. Não fica claro, por exemplo, se uma candidata negra pode computar para o adimplemento de dois parâmetros legais ao mesmo tempo, para o percentil das mulheres e das candidaturas negras. Parlamentares de partidos de todas as linhas ideológicas votaram favoravelmente à proposta. Ainda que, alguns políticos de esquerda tenham usado a tribuna para criticar a iniciativa legal, argumentando que ela descredibiliza a imagem das siglas partidárias, que já está, em alguma medida, combalida, diga-se de passagem. Não o bastante, o texto aprovado cria uma legislação especial para partidos políticos em relação a outras entidades, o que malfere o princípio da isonomia. O legislador é o único profissional que, para atender ao princípio da legalidade, tem a faculdade de inovar no plano legiferante, para fazer a norma se adequar aos fatos, quando o normal é o oposto disto, mudar a ordem do conjunto de coisas e fatos. No que pertine ao percentil para candidatos negros, gize-se que, o de que se trata não é de uma simples alocação de verba, mas de adimplemento de um comando constitucional, seja ele, a igualdade racial. O não adimplemento foi perdoado, e, além disso, o critério foi flexibilizado. Algo juridicamente grave, no mínimo. O crivo que se antepõe a quem pretenda ser candidato é de suma relevância. Recorrentemente ouvimos queixas de cidadãos verbalizando não encontrar um candidato com quem se identifiquem. Outro problema de natureza jurídica liga-se a princípios sagrados, como direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Os créditos foram plenamente constituídos, então essa retroatividade se choca com uma situação consolidada ao longo do tempo. No plano moral ainda fica sem resposta o questionamento contábil e administrativo: se as siglas, através das quais ocorre o empoderamento de agentes estatais do executivo e legislativo, são mal geridas, como conseguir acreditar que os destinatários dessas regalias são hábeis para o exercício das coisas públicas? Em o que pese toda esta conjuntura, temos de dar a mão à palmatória para a legislação eleitoral brasileira em vigor, pois no mínimo são impostos referenciais que vinculem os partidos à higidez de contas. Todo este anteparo burocrático faz parte do jogo da democracia. Os caminhos percorridos pelos agentes públicos nem sempre são os melhores, mas, admitamos, razoáveis. A democracia e a república estão cada vez mais aliançadas com a transparência e com a probidade. Com o aprimoramento dos institutos jurídicos e dos mecanismos de controle, hoje associados a técnicas informacionais e computacionais, aproximamo-nos, passo a passo, do ideal de reputação idônea. Os meios de comunicação de massa não perdem a oportunidade de marcar presença na última sessão legislativa, imediatamente anterior ao recesso da Casa. Fosse nos tempos de obscurantismo, até mesmo o principal da dívida teria sido anistiado. Pois nos tempos que seguiram à ditadura civil-militar, a anistia foi ampla e irrestrita, extensível a socialistas, meros democratas e torturadores. O financiamento público de campanha veio a ser um modo novo de fazer campanha, minimamente paritário, diferente do modelo anterior, em que o político tinha de ser, sempre e necessariamente, um garoto-propaganda da grande burguesia nacional. A aprovação das contas do fundo eleitoral é um dos procedimentos finais desse novo paradigma de campanha. Não é a perfeição absoluta, mas é um avanço. Luz!