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Explicando o que se diz no púlpito

Logo após o atentado contra Trump, vídeos a respeito do ocorrido começaram a circular na internet. Foi exibida uma entrevista com um pastor norte-americano, supostamente gravada meses antes do episódio, em que o referido narrava o que se concretizou no então futuro, a bala seguindo uma reta em que o obstáculo seria a orelha do […]

Por Israel Minikovsky 17 min de leitura

Logo após o atentado contra Trump, vídeos a respeito do ocorrido começaram a circular na internet. Foi exibida uma entrevista com um pastor norte-americano, supostamente gravada meses antes do episódio, em que o referido narrava o que se concretizou no então futuro, a bala seguindo uma reta em que o obstáculo seria a orelha do presidenciável. Numa cultura em que a religiosidade ensina a crer no dom da profecia, essa mensagem se reveste de alta aceitabilidade entre o público. Mais: o fato de supostamente a ocorrência ter sido anunciada previamente por Deus, leva a crer que essa situação pontual, ruim em si mesma, participa de um plano maior, o plano de Deus. Num dos vídeos, um sedizente pastor brasileiro explicou que os índios lançaram uma maldição sobre os colonizadores, prevendo que seus governantes sempre seriam mortos. De fato, não é preciso ser grande conhecedor da história dos Estados Unidos, para saber que vários políticos foram assassinados durante o mandato, ou pouco antes. Esse tipo de narrativa prefere ver os indígenas como pagãos que devem ser mortos, como no Antigo Testamento, em que os israelitas exterminam outros povos, e não como pessoas pelas quais Cristo morreu na cruz, estendendo sua infinita misericórdia a todos. Os políticos de esquerda sempre são apresentados como agentes do reino das trevas. Isso é facilmente explicável, pois as pessoas que abraçam esse viés ideológico defendem os homossexuais, os negros, os indígenas, os pobres, grupos que costumam ser demonizados pela direita. No caso dos negros, por exemplo, o ataque é canalizado para as religiões de expressão africana. Para a teologia da prosperidade, é fundamental que os seus ouvintes vivam numa sociedade capitalista. Pois é simplesmente impossível adimplir a promessa da bênção, consistente na posse de muitas riquezas, num sistema em que não se verifica um crescimento veloz do valor econômico. É costume dizer que o anticristo proporá um governo perfeito. Ora, quem pretende investir na ideia de um Estado altamente funcional é a esquerda. A propósito, qual o problema de o setor público ser eficiente? A eficiência do Estado deve ser encarada como meta para todos nós. Mas uns que se dizem cristãos creem que, se a presente vida for razoavelmente feliz, abriremos mão da vida futura. A jogada, portanto, é reconhecer que a vida e o mundo são maus e incorrigíveis, depositando toda a esperança na vida futura. Na real, precisamente neste ponto, as lideranças religiosas estão corretas: nos países com as melhores condições de vida, do que os países escandinavos são o melhor exemplo, a religião está praticamente reduzida a zero. Mas quero retomar ainda a questão da satanização da esquerda. Marx e Engels tomaram o materialismo estático de Feuerbach, infundindo-lhe o dinamismo do idealismo hegeliano, a dialética, não só por motivos filosóficos, senão ainda históricos e sociais. A verdade é que, na época dos mencionados autores, a irreligiosidade estava disseminada, e, honestamente falando, os cleros das igrejas tomaram o lado do opressor. Hodiernamente, a situação é a mesma: assombrado pela pregação, o crente-trabalhador-contribuinte vota e elege políticos que promovem pautas geometricamente opostas ao que seria o seu real interesse. É por isso que muitos ministros de confissão religiosa são contra a Agenda 2030: para eles, quanto pior, melhor. O mundo precisa estar caído, para gerar desapontamento, e assim as pessoas buscarem conforto na religião. Considero-me cristão. Mas o cristianismo que abraço é o da fraternidade, da acolhida e da caridade. Repudio o cristianismo do medo, da pressão, da chantagem. Se a esquerda, num momento histórico específico e bem diferente do nosso atual, entendeu-se materialista, essa fase já passou. Contudo, espertamente, os direitistas vestiram-se com peles de ovelhas, aproveitando o potencial político, transformando o cristianismo naquilo exatamente que ele não é, um posicionamento conservador, retrógrado e controlador. Cristianismo é amor, tolerância, respeito, abertura ao diferente, universalista e não partidário, sempre que constrange, o faz exclusivamente pela via do amor, e não da força. Ídolo é o deus de um segmento social. Deus, ou o é de todos, ou não no será. Se os estadunidenses acreditam que é imprescindível ter a bênção de Deus “para a América voltar a ser grande”, como dizem, estão corretos. Entretanto, Deus rebaixa ou soergue aquele que bem quer, de acordo com a sua vontade. Deus ama o branco, o negro e o asiático, todos somos irmãos e todos somos filhos do mesmo Pai. Luz!