Só por hoje: bebê em promoção!
A triste ironia com que começo este artigo, um chamariz para que a matéria seja lida na íntegra, robora meu ponto de vista, expresso a alguns artigos atrás, publicados neste portal. Partilhava com o amável leitor, que um senador argentino propôs liberar venda de crianças, em sendo pobre a família. Eu advertia dos riscos que […]
Por Israel Minikovsky 16 min de leitura
A triste ironia com que começo este artigo, um chamariz para que a matéria seja lida na íntegra, robora meu ponto de vista, expresso a alguns artigos atrás, publicados neste portal. Partilhava com o amável leitor, que um senador argentino propôs liberar venda de crianças, em sendo pobre a família. Eu advertia dos riscos que uma legislação nesse sentido poderia acarretar, entre eles, casais fazendo da maternidade e da paternidade, o ter filhos, uma fonte de renda. Por infelicidade, eu estava absolutamente certo. Os fatos dão-me razão. No dia 29 de julho (de 2024) foi presa uma mulher que vendeu a própria filha de três meses de idade, por R$ 4 mil. A transação teria ocorrido no Parque São Rafael, na zona leste de São Paulo. A criança foi localizada/recuperada e submetida a exames clínicos, com o acompanhamento de uma assistente social. Antes de atirar pedras na face da genitora em comento, sabe-se lá por quantas e tantas essa (também) pobre criatura vinha passando, devemos nos perguntar por que as coisas chegam a esse ponto. A realidade do Brasil e da América Latina tem sido a crise econômica e social. Essas crises se arrastam por décadas. Esse tipo de situação é invocado pelos defensores do aborto. No entanto, em meu ver, matar é pior do que vender. É preciso trabalhar ideias como sexo seguro e planejamento familiar. Se a mãe constata que não reúne condições de criar o próprio filho, há a opção da entrega judicial. Portanto, vender a criança não é uma imposição. O ato da venda denota que, para além de livrar-se de uma grave responsabilidade, que é o cuidado e a educação de um ser humano em desenvolvimento, a genitora pretendeu tirar vantagem financeira com a adoção ilegal. O panorama nos mostra que se entrecruzam fatores éticos e sociais. Não existe ética sem sociedade, nem sociedade sem ética (do ponto de vista prático, refiro-me). O exemplo que ilustra e embala esta discussão, põe a nu, o que se convém chamar de “romantização da maternidade”, mas também nos lembra de que, em faltando o afeto, a conduta displicente para com os filhos é punida como qualquer outro fato típico e antijurídico. A matéria é, portanto, no mínimo complexa. Quero crer que, no melhor dos mundos possíveis, esta mesma mulher não teria agido como agiu. Ora, a ética é desafiante por causa disso: ela nunca é simples, nunca é fácil, sempre é problemática e carregada de incertezas. A própria pessoa que, em primeiro plano é apontada como responsável, sente-se pouco amparada, destituída das alternativas com que gostaria de poder contar. Se o pai é ausente, e a mãe é “solo”, logicamente sobrevém a situação em que a mulher precisa ser profissional e ter renda, ser dona de casa, mãe, cuidadora, responsável pedagógica, e uma infinidade de outros papéis, que nem um herói do panteão grego consegue concentrar tudo em si mesmo. O Estado não fornece, num caso como este, o apoio que seria necessário, e, mesmo que pretendesse fazê-lo, paira dúvidas respeitantes a esta factibilidade. Além dos encaminhamentos penais, como inquérito e denúncia pelo Ministério Público em desfavor dessa mãe, é necessário que esta mulher receba uma atenção especializada, na assistência social, onde possa compreender as situações de vida por que passa, sendo esclarecida de todas aquelas coisas que participam da constelação familiar. Já a pequena menina deve ser encaminhada para acolhimento familiar, enquanto não se vislumbra uma adoção, pois nessa fase da vida o melhor que se lhe pode ser fornecido é um ambiente em tudo similar ao da família biológica desejável. Escrevi este artigo, dentre outras razões, porque na mídia a manchete apresentada é a venda da criança, deixando de lado outros aspectos relevantes, como o trabalho que se realiza na assistência social, com as possibilidades que se pode usufruir, uma vez reconhecida a condição de risco e vulnerabilidade. O Estado não fará tudo, mas poderá fazer algo. Ocorrências como esta espelham, recorrentemente, o sentimento de desespero, de não ter com quem contar. A rede de proteção, integrada por secretarias, órgãos e departamentos públicos, deve articular-se entre si, para que não venham a se repetir episódios como este. Caso identifique-se com a narrativa destas linhas, o melhor é entrar em contato com o CRAS ou o CREAS, explicando as próprias dificuldades, e externando as necessidades que mais pegam. Assistência social é luz!