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Homens brancos e mulheres negras

Jean-Paul Sartre já alertara: “quando os ricos fazem guerra, são os pobres que morrem”. O conflito regional, de impacto global, Israel versus vizinhos islâmicos, tem dado o que falar. Assistimos a mortes e vítimas em ambos os lados, embora o poder de destruição israelense seja sabidamente superior. Os agressores recíprocos, – embora essa reciprocidade, como […]

Por Israel Minikovsky 17 min de leitura

Jean-Paul Sartre já alertara: “quando os ricos fazem guerra, são os pobres que morrem”. O conflito regional, de impacto global, Israel versus vizinhos islâmicos, tem dado o que falar. Assistimos a mortes e vítimas em ambos os lados, embora o poder de destruição israelense seja sabidamente superior. Os agressores recíprocos, – embora essa reciprocidade, como já dito, não é simétrica ou congruente, – figuram como as maiores vítimas da violência bélica. As lideranças políticas e militares, israelenses, palestinas e islâmicas, em sua maioria, senão na totalidade, compõem-se de homens brancos velhos. O objetivo deste meu artigo, no entanto, é chamar a atenção para um determinado perfil de vítima, uma vítima que a mídia quase não mostra. Estou falando de mulheres negras que exercem trabalhos domésticos. Elas procedem de Uganda, Etiópia, Somália, Sudão, enfim, a lista é bem longa. Essas trabalhadoras deixaram suas pátrias, para encontrar, no Líbano, melhores condições de vida. Assim que Israel começou a bombardear o Líbano, em 23 de setembro de 2024, muitos habitantes desse país se evadiram, deixando para trás suas propriedades, e também suas agregadas, as mulheres, de quem já falei nas alíneas acima. Elas foram deixadas como vigias patrimoniais, ficando vulneráveis a eventuais ataques aéreos, mas isso não incomoda aos seus empregadores. Dias depois, houve o regresso de quem deixara seus lares em derrelição. E as tais funcionárias, na sequência, foram dispensadas sem pagamento da rescisão contratual e sem nenhum tipo de indenização. Elas ficaram economicamente desfalcadas no momento mais crucial. O que me desaloja é o atravessamento de duas condições, a negritude e a feminilidade. Os países de procedência dessas mulheres não têm músculos diplomáticos para repatriá-las. Creio, portanto, que a ONU deveria chamar para si esta atribuição. Do ponto de vista social, essas mulheres acham-se enredadas pela vulnerabilidade, e como mulheres, segundo rezam Textos Sagrados de tradições religiosas várias, “são a parte mais frágil”, ou “o vaso mais frágil”. A intensidade do quanto suas vidas são impactadas com uma guerra, a que não deram causa, contrasta com a impotência de quem não detém nem a mais ínfima parcela de ingerência, no sentido de promover um contexto de vida oposto ao que ocupa sua angustiante existência. Aqueles seres humanos, a quem chamamos de “grandes”, tomam decisões que implicam a supressão de vidas, sempre com vistas ao ajuntamento de poder, sim, as mealhas do poder. Ao passo que, na outra extremidade, figuram pessoas de pequena sorte existencial, aquelas que simplesmente labutam pela própria subsistência. Sartre que me desculpe, mas essas mulheres, definitivamente, não são livres. Elas não estão condenadas à liberdade. Elas estão condenadas ao sofrimento. Um sofrimento que elas nunca escolheram. A propósito, as mulheres negras parecem ser estrangeiras em todos os países do globo, inclusive nos países em que elas nascem. E a guerra israelopalestina, agora árabe-israelopalestina, expressa nitidamente, em letras garrafais, a eterna verdade, dormente nas entrelinhas em tempos relativamente serenos, de que a mulher negra fez e faz a experiência crística, de “não ter onde reclinar a cabeça”. E o Cristo, preso à cruz, com mãos e pés atravessados pelos cravos, é a evidência da sensibilidade do próprio Deus para com as vítimas impotentes desse mundo. Enquanto que a direita brasileira massacra as pesquisas acadêmicas promovidas pelas ciências humanas, nas universidades federais, dizendo que isto não é conhecimento, mas ideologia, o mundo, e sua face hedionda, exibem a valia dessa discussão, tão aviltantemente deplorada e chafurdada. Carl von Clausewitz estava certo, “a guerra é prolongamento da política”. O discurso contra o outro escalou para a destruição do corpo do outro. Esse planeta é apertado para corpos negros, mormente se esse corpo negro estiver encerrado dentro dos limites do “segundo sexo”, para usar um clichê de Simone de Beauvoir. Abaixo as armas, por uma ética da comunicação. Tudo se resolve pelo diálogo. Seja dada voz a quem não a possui. Construamos o consenso, ouçamos a todos, inclusive as trabalhadoras domésticas. A guerra é o oposto da democracia. É preciso resgatar o sentido mais original da palavra “política”. Homens brancos empoderados, decidem de uma maneira tal, que o resultado é o sofrimento ou morte de mulheres negras. Porém, não nos esqueçamos de que os chefes das nações nem sempre são espelhos fiéis dos seus governados. A sociedade israelense, em sua maioria, repudia essa guerra, que tem trazido tanto pânico e morte.