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Eu, das antigas

Pesquisa da Universidade de Stavanger, da Noruega, revela que 40% dos alunos, numa estimativa internacional, perderam fluência na escrita manual. Essa constatação resta confirmada pela incapacidade de se redigir parágrafos – núcleos gramaticais – significativos. Quem protagoniza essa realidade, – ou seria melhor dizer “a padece”? – é a Gen Z. Bom ou ruim, é […]

Por Israel Minikovsky 14 min de leitura

Pesquisa da Universidade de Stavanger, da Noruega, revela que 40% dos alunos, numa estimativa internacional, perderam fluência na escrita manual. Essa constatação resta confirmada pela incapacidade de se redigir parágrafos – núcleos gramaticais – significativos. Quem protagoniza essa realidade, – ou seria melhor dizer “a padece”? – é a Gen Z. Bom ou ruim, é um fato crucial, haja vista a prática dessa habilidade há uns 5.500 anos, ou talvez, até mais. A tecnologia digital, em alguma medida, reprime a tecnologia analógica, e a escrita à mão é parte dessa transformação, ainda que passivamente. É contraditório, porém plausível e empiricamente verificável, a dificuldade nos deu um cérebro avantajado, que criou uma tecnologia da facilitação, que nos arremessou para a comodidade e indolência. A notícia que informa a introdução deste artigo, entretanto, é fração de algo maior. Estamos nos fazendo substituir pelas máquinas. Na virada de ano, de 2024 para 2025, passei na zona rural, onde pude desenvolver algumas atividades braçais. Desde garoto tive o hábito de rachar lenha. Então, quis matar as saudades. Para minha surpresa, deparei-me com madeira duríssima, e, mesmo manejando o machado a partir das linhas de força das achas, sofri mais do que toleraria para desempenhar essa tarefa. Percebi meu corpo defasado para essa função, considerando que nada cobra tanto de minha corporeidade, cá na área urbana. Ninguém precisa ser lenhador profissional, não, ao menos, a maior parte da mão de obra economicamente ativa que reside em São Bento do Sul, município que utiliza madeira como matéria-prima, e não lenha. Se a usa o faz em menor medida. Para confluir à desejada conclusão, quero dizer que estamos a passar pelo arrefecimento das forças físicas, e, com elas, pela subtração de habilidades essenciais, marcadamente nos tempos de crise. Fosse pouco ter feito bramir a lâmina do machado, propus-me colaborar, ainda que em modesta escala, comparada com o trabalho total que implica uma colheita de fumo, a guarnecer a estufa onde as folhas do tabaco são cuidadosamente desidratadas. O peso dos feixes da planta, aliado à celeridade com que se executa esse labor, potenciada pela elevada temperatura do ambiente, propicia um arranjo de alta performance do organismo, que demanda um volume calórico excepcional. Como escritor, escrevi livros inteiros diretamente no teclado do computador, não por escolha, mas por imposições técnicas, e escrevi livros inteiros à mão. Garanto-vos: é mais rápido escrever um livro à mão, e transcrever para o editor de texto, do que fazê-lo diretamente perante o monitor. O que proponho não é abandonar os meios digitais pelos quais escrevemos e trocamos mensagens, mas termos a aptidão para os dois modos de escrever, como alguém que, comparativamente, é bilíngue ou ambidestro. Quem é da área do jornalismo, e começou a atuar na era da internet, simplesmente não sabe produzir uma edição de periódico na sola do sapato. Atualmente até tecnologias que já foram abandonadas estão passando por fase de repristinação. O CD, Compact Disk para os que ainda não são achegados, bem provavelmente reentrará em comercialização, dado que se descobriu uma nova metodologia de inserção de informações, sofisticada o bastante, para acomodar mil vezes mais conteúdo do que originalmente se praticou. Antes de fazermos a remessa para o museu, de um item de uso cotidiano, sugere a cautela, que verifiquemos bem se a sua utilidade realmente entrou em obsolescência. Evoluir é sobrepor camadas, e o sofisticado e complexo está calcado no basilar simples. O maior programador do mundo não existiria sem o tear. É louvável que saibamos percorrer todos estes circuitos, para nos colocarmos na borda, e, aí sim, inovar e continuar impulsionando a criatividade humana. Ninguém se torna sábio ignorando o que os sábios de todos os tempos escreveram. Conhecimento é luz!