“Pesquisa: Os brasileiros estão cada vez mais afastados da leitura”???
Quando o alvo do ataque são os livros, toda cautela é pouca
Por Cleverson Israel 18 min de leitura
Uma revista financiada pela burguesia brasileira, de circulação em todo o território nacional, colocou como chamada de leitura da matéria, a expressão acima, que figura entre as aspas. É sobre isso que quero falar hoje. Primeiramente, entendo consumar-se uma contradição performativa e pragmática informar que o hábito da leitura está em declínio, através de um canal de comunicação calcado, predominantemente, na leitura. Fato, é que as pessoas são induzidas a seguir tendências. Ninguém quer ficar de fora. A ideia que se passa é de que o hábito da leitura entrou em obsolescência. A matéria trabalha a partir do medo das pessoas de serem antiquadas. Fomenta-se a propagação do emburrecimento. Nunca antes houve um medo e uma histeria tão grande em se sentir desatualizado ou fora daquilo que é estabelecido como o novo normal. O próprio título da matéria já revela o caráter da mídia, um canal ultradireitista. O objetivo é aniquilar a emancipação do ser humano pela desconstrução pensamental. O apelo é muito forte: a ideia é apresentada como realidade objetiva, números, estatísticas, pois, supostamente, tratar-se-ia de uma criteriosa “pesquisa”. No texto, outro argumento manejado, correlaciona a perda do hábito da leitura ao uso de aparelhos digitais. Sugestão radicada no senso comum e, portanto, de altíssima aceitabilidade a quem a lê. A quem interessa ou deveria interessar a leitura? Simples: ao próprio leitor. A quem interessa a não leitura? Àqueles que monopolizam o controle sobre mentes e corações, aos endinheirados, aos políticos, às conservadoras lideranças. Segundo se noticia, estar dentro do subgrupo dos leitores, tem como resultado ser excluído de grupos muito mais amplos. Informar, meramente, que não se lê mais no Brasil, sem apresentar alternativas que possam reverter o quadro, é comemorar um fracasso, ao invés de deplorá-lo. Conheço livreiros que contestam informações da mesma natureza dessa, que estampa a revista sob comento. Não é um oceano de maravilhas viver de vender livros, mas a realidade dista, simetricamente, desta catástrofe que é apresentada como a mais pura verdade. A leitura desaliena, desmascara, desencanta. A expressão “cada vez mais” dá a entender que, os mais resilientes leitores, também eles, dentro em breve se tornarão não leitores, até que o índice de leitura seja igual a zero. Pseudonotícias como esta, a respeito da qual hoje teço considerações, entram pelos meus olhos e ouvidos desde que eu era uma criancinha. Transmite-se a noção de que a cultura do brasileiro é não ter cultura. Insinua-se que cultura, literatura, filosofia e ciência não é coisa para nós, pobres terceiro-mundistas, apenas para europeus e norte-americanos. Por amor à verdade, e para alívio do amável leitor que dá uma passada de olhos nessas alíneas, informo que ao mesmo tempo em que se inculca, no intelecto dos meus compatriotas, a percepção errônea de que livros não é coisa para brasileiro, há muita gente idêntica a mim e a você, revolucionando saberes, ciências e disciplinas várias, gostem ou não os apologetas da tese de nossa suposta inferioridade. À lixeira nossa menoridade intelectual. Chega de estarmos manietados por fios invisíveis. O rei está nu. Se, realmente, a leitura percorre a via da retrogradação, tem-se um motivo a mais para ser leitor: a diminuição da concorrência. Nunca antes houve tanta oferta de materiais para serem lidos, sejam eles físicos ou virtuais. Essa abundância pode causar confusão e induzir as pessoas a conclusões equivocadas. A facilidade de aquisição de textos de alta formatividade e informatividade não significa ausência de valor. Do contrário, seu valor só cresce. Não podemos nos esquecer de que não basta o material aí estar, o ser humano precisa se apropriar disso tudo, mediante a prática reiterada da leitura. Conhecimento e informação são os elementos de uma fórmula de sucesso. A informação me faculta empregar num fim útil o conhecimento, e o conhecimento me habilita a saber o que fazer com a informação. Ora bem, os velhos livros me dão o doce e profundo conhecimento, ao passo que as novas mídias me deixam informado. Pode existir situação mais agradável do que esta? Nem sempre todo movimento social é bom, nem sempre as praxes do tempo presente são melhores do que as do tempo pretérito. A leitura é a prática, que permite ao seu cultor, compreender o reino das motivações de tudo o que é veiculado e apresentado como modelo de conduta para as pessoas em geral. Todas as pessoas fazem leitura de mundo. Mas o leitor de livros, com o tempo e a experiência, torna-se um metaleitor de mundo. Os que vendem mentalidades, como quem vende sabonete, precisam entender que não adianta vestir seus adversários com a túnica da defasagem, rotulando quem pensa diferente como jurássico, haja vista que já se comprovou, no botequim e na universidade, que “a boa” vende mais do que “a nova”. Leitura é luz!