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Censura ou medida pedagógica?

A ética como pano de fundo no processo escolar

Por Cleverson Israel 17 min de leitura

Recentemente, um dos parlamentares da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, Luiz Fernando Guerra (União), apresentou projeto de lei que proíbe músicas com apologia ao crime, drogas ou conteúdo sexual nas escolas. Como aferir o mérito desta iniciativa legal? A proposta é bem-intencionada? Ou seria uma produção legislativa enviesada e preconceituosa que visa a criminalizar produções culturais populares, como o rap ou o funk? A discussão parece fazer bastante sentido, a partir da leitura da obra “Cai de Boca no meu B*C3T@0”, em que Tamiris Coutinho defende a ideia de acordo com a qual o funk pode ser um instrumento de protagonismo e empoderamento das mulheres e jovens pretas e pobres da periferia, transcendendo a estigmatização e objetificação dos corpos femininos. Todavia, veja-se que a delimitação de conteúdo, consoante o anteprojeto, limita-se ao espaço escolar. A liberdade constitucional de pensamento e expressão, ademais, não é absoluta, devendo resguardar outros direitos, tão dignos quando o livre-pensamento. Do ponto de vista jurídico, o parlamentar proponente está a adimplir o Estatuto da Criança e do Adolescente, poupando pessoas em formação de serem expostas a conteúdos inapropriados à sua faixa etária e danosos ao desenvolvimento do caráter. É dever de todo político e de todo cidadão, concorrer para a construção de uma sociedade mais justa, menos violenta, e profundamente fraterna. E drogadição, crimes e vivência sexual promíscua, além de não contribuírem para a consecução desta meta, laboram em sentido diametralmente oposto. É de se perceber que em nenhum momento se proíbe rap ou funk. O destinatário da norma não é o gênero musical, e nem o ator social que ingressa na relação como autor ou produtor cultural. A restrição atina ao conteúdo ideológico da letra das canções. O Estado, através do Poder Legislativo, tem o dever de fiscalizar o que se passa no interior das unidades educacionais. A escola é o ambiente que se presta à educação e à aprendizagem. Entrementes, de que maneira produções artísticas, que abertamente declaram guerra à sociedade, podem contribuir ao bem-estar da comunidade? Uma das atribuições do sistema de ensino é fomentar uma cultura de paz, de não-violência. Ao invés de tolerar a circulação de produções sonográficas que vulgarizam a sexualidade e a vivência da afetividade, cabe à escola, calcada na ciência e em modelos pedagógicos, ofertar educação sexual consistente em exibir o modo correto e saudável de viver essa dimensão da existência humana. Vedar o ingresso de conteúdos de baixo nível conceitual ao ambiente escolar é acertar o alvo. Por antonomásia, a escola existe como ambiente onde se realiza aquisição de instrumentais de alta performance conceitual. Quando se diz que a escola deve estar aberta à sociedade, essa abertura deve convergir para o fortalecimento de vínculos, e para ingerências eficazes, que redundem em resolutividade para demandas concretas e reais. A escola, muito bem, pode abrir um novo campo de visão aos adolescentes e jovens periféricos, na medida em que se lhes mostre outros modos de gratificação social, para além do sexo e do consumo de substâncias entorpecentes, como exercer uma profissão qualificada, obter reconhecimento social por bem exercer uma atividade de valia para terceiros. Paga-se um preço para viver dentro da legalidade, mas esse investimento é coisa que retorna acrescida de pletora. Vale à pena estudar, vale à pena trabalhar. É verdade que o espaço urbano social manifesta-se pleno de variantes e nuances, de modo tal que, em dadas zonas de menor presença estatal, deparamo-nos com uma verdadeira cultura de criminalidade. Bem por isso que existem, na grade curricular, disciplinas como sociologia e filosofia. O estudante deve saber da existência e em o que consistem estas culturas, das chamadas “tribos urbanas”. E esse conhecimento não cumpriria sua função social ao aspergir água benta sobre o modus vivendi desses indivíduos estratificados, pelo contrário, o saber deve voltar-se à promoção da dignidade e cidadania dos socialmente alijados, o que implica em mudança de perspectiva e de fazeres. Esse é o desafio. Na seara da vivência sexual não sou moralista, mas entendo que o recato é de intensa recomendação. Quanto ao crime, se todos quiserem delinquir e não trabalhar, a civilização caminhará para a extinção. E, na questão da drogadição, informo que o tráfico de drogas é não apenas um negócio lucrativo, mas uma metodologia de dominação de alguns povos sobre outros, alinhando-se à hierarquia que, do lado de fora, parece ser quase que exclusivamente econômica. Por tudo isso, a minha gratidão e o meu reconhecimento ao aludido legislador paranaense. Ética é luz!