O comunismo costuma ser definido como uma sociedade sem Estado, sem propriedade privada e sem classes sociais. Para além dessa definição, que é bastante teórica, negativa na medida em que se caracteriza pelo que não abarca, reconheço que o socialismo soviético foi, essencialmente, uma tecnocracia. Lênin já havia percebido que as nações mais poderosas são aquelas que dominam os processos tecnológicos, sobretudo os de ponta. A China, por exemplo, forma 8 milhões de engenheiros ao ano. São 8 milhões de cabeças de obra, 8 milhões de cabeças pensantes, sem contar o pessoal de outras áreas, que também têm a sua importância. Muito se fala na transição demográfica referente à inversão da pirâmide etária, porém, menos crianças e mais idosos, são apenas parte de um conjunto maior. O último levantamento, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, apurou que, em 22 anos, a parcela da população com curso superior quase triplicou (de 2000 a 2022). Justamente este período foi o que restou compreendido, predominantemente, pelos mandatos, em nível federal, do Partido dos Trabalhadores. Mas esse fenômeno de aumento extraordinário de graduados acusa para outras realidades, que se encontram adiante da simples multiplicação aritmética dos fatores por si mesmos. Nunca antes, no nosso país, os que se declaram negros ou pardos, e colam grau, transcenderam a metade do total. Também as mulheres são maioria, leia-se, mais que 50% dos formados. Isto significa que muitas demandas cuja massa era distribuída entre “x” profissionais, agora serão distribuídas entre “x + y”. Na prática, isto equivale a reconhecer que os profissionais liberais assimilarão demandas mais complexas que a média, vão contrair fardos profissionais mais pesados, e serão menos premiados em termos de remuneração ou honorários. Positivo para o cidadão menos escolarizado que, anteriormente não encontrava profissional em função da linha de corte, consistente na relação “volume de trabalho versus retorno financeiro”. Dito de outro modo, os profissionais diplomados, outrora, podiam escolher trabalho e “ficar com o filé mignon”. O que compensava pouco economicamente ficava sem patrocínio, preterindo importâncias de menor amplitude. Anoto que estas circunstâncias traziam dano não só ao cidadão de pequenas medidas, mas, no geral, um grande dano coletivo, somando todas estas parcelas de demandas derrelitas. Costuma-se dizer que o bolso é uma das partes do corpo humano que mais doem quando alguém sofre um revestrés (financeiro). Entretanto, o aumento do número de formados incomoda não só por impor uma nova lógica, de repartição dos vencimentos devidos, mas esvazia a sensação de mérito aristocrático. Os cursos mais cobiçados são acessíveis aos cidadãos das mais diversas classes sociais. E esse acesso e essa democratização do saber aborrece profundamente a quem sempre foi acostumado a olhar para o outro de cima para baixo. A sociedade mudou, e mudou para a liberdade, para a igualdade de condições, para uma visão mais inclusiva. Isonomia traz consigo responsabilidade. Portanto, aquelas pessoas que, historicamente, nunca administraram nada, sempre fizeram o serviço penoso e simples, ou boa parte delas, preferem renunciar às boas notícias de nosso tempo e permanecer na situação de subalternidade. É a moral do escravo que está sendo vendida em muitos lugares. Passa-se a ideia de que é algo ruim mudar e evoluir. Deus não estaria se comprazendo nessas mudanças. Votar num representante que tem a cara do representado seria um ato de rebeldia. Um mundo de relações paritárias refletiria o propósito satânico, um complô orquestrado, voltado ao domínio do mundo. A liberação do ser humano seria a sua grande reclusão. Tudo seria ilusão, um plano mal-intencionado vestindo carapuça de santidade. A segurança, ou sensação de segurança, permaneceria no atraso e na defasagem. O avanço tecnológico seria uma armadilha. Mas o pior de tudo, segundo conservadores e reacionários, seria a mudança de mentalidade. Existiria um único padrão de pensamento válido, aquele edificado no passado e que não acompanha os ritmos impressos à realidade social, que marca o mundo de agora. Na Europa e nos Estados Unidos, – e em alguns países vizinhos nossos, como Uruguai e Argentina, segundo relatou Mariano Soltys, que aliunde estivera dias atrás, o cristianismo recua, e as igrejas mais são pontos turísticos, parecidas a museus, – do que qualquer outra coisa. Não é de admirar, destarte, que os calcados em privilégios prorrompam em lágrimas, e brados contra os ventos de modernidade. Transição social não se nega e nem se rejeita. É necessário que todos nos adequemos a elas. Compreender estas dinâmicas, isto sim, é luz!