A desprofissionalização das profissões
Um projeto de lei, de autoria do deputado federal Tiago Mitraud (Novo), tramita no Congresso Nacional e pretende desregulamentar 33 (outros falam 106) profissões, hoje vinculadas a leis deontológicas para cada respectiva categoria. Segundo a proposta, a inovação jurídica não ofereceria risco à saúde ou insegurança aos cidadãos servidos por estes profissionais. Ao que consta […]
Por Israel Minikovsky 13 min de leitura
Um projeto de lei, de autoria do deputado federal Tiago Mitraud (Novo), tramita no Congresso Nacional e pretende desregulamentar 33 (outros falam 106) profissões, hoje vinculadas a leis deontológicas para cada respectiva categoria. Segundo a proposta, a inovação jurídica não ofereceria risco à saúde ou insegurança aos cidadãos servidos por estes profissionais. Ao que consta no PL, as pessoas aprenderiam o próprio ofício pelo muito fazer ao longo dos anos. O parlamentar alega que a imposição prévia da graduação apenas tem o condão de criar um obstáculo desnecessário para o ingresso na carreira. O objetivo da aludida iniciativa legal não poderia ser outro, senão enfraquecer o ensino superior. Se a pessoa pode trabalhar passando ao largo da formação acadêmica, é bem possível que nunca o faça. E este é, justamente, o desiderato do proponente retrógrado. O espaço universitário oferece uma visão crítica do mundo e do sistema. E é essa criticidade que mais incomoda aos políticos que se elegem fisiologicamente. Outro ponto, é que com a desregulamentação, caem por terra os conselhos de classe. Os tais conselhos são importantíssimos à sociedade por fiscalizarem e, quando imperioso, punir os profissionais que não procedem com a perícia ou a ética devidas. Por exemplo, os profissionais de psicologia e serviço social, em sua larga maioria, mantêm vínculo de trabalho com o setor público. Se a graduação se tornar um requisito dispensável, quando for aberto concurso público, a pessoa prestará a prova segundo o nível de ensino fundamental, médio ou superior? Essa pergunta é importante porque o critério de ingresso na carreira pública dita o status jurídico do servidor e define seu patamar salarial. O argumento de que a formação prévia tão somente dificulta o ingresso no mercado de trabalho é uma bazófia. Nunca antes no Brasil, apesar dos esforços em contrário do governo que graças a Deus passou, tivemos tantos cursos de graduação e pós-graduação à disposição, e nunca a universidade esteve tão próxima de nós. Por conseguinte, rapidamente me assaltam dúvidas se uma pessoa que pretende exercer um ofício, mas não tem a capacidade intelectual, ou a resiliência para realizar um bacharelado, conseguirá corresponder àquilo que é de se esperar de um trabalhador qualificado. Mais do que nunca, agora a universidade sofre oposição ferrenha por desempenhar precisamente a missão que lhe cabe. O poder teme as consciências ilustradas. O modelo capitalista vislumbra a perda do seu domínio: o velho sonho de endinheirados, de um lado, e pobres ignorantes, de outro, que nada dispõem além da capacidade de trabalhar, implica fazer sucumbir a elite intermediária dos detentores do conhecimento. Os acumuladores de riqueza entenderam que, desmantelar a sociedade civil organizada, faz parte do projeto egoísta de manter ereto o modelo assimétrico de relações jurídico-econômicas. Aliemos, agora, a desregulamentação das profissões com a extinção da estabilidade funcional, o que faz de todos cargos “de livre nomeação”. Que tipo de funcionário servirá à sociedade? Até porque, com toda essa rotatividade, quem terá os referidos anos de trabalho, para que aprenda sua própria profissão? O Brasil não é caranguejo para andar para trás. E não nos esqueçamos jamais de que foi pelo voto popular que o referido parlamentar mineiro estreou na Câmara Federal. Pelo bem ou pelo mal, ao menos ele nos fez pensar sobre a seriedade e o valor das coisas, como a diferença entre o amadorismo e o verdadeiro profissionalismo. Formação universitária é luz!