A desdolarização
O yuan é a segunda maior reserva de divisas global, ficando atrás somente do dólar. O governo chinês intensificou o uso do yuan como meio de pagamento em transações internacionais. Sabemos que o dólar construiu sua ascensão, em grande parte, com o petrodólar. E como o petróleo continua sendo importantíssimo, em que pese as novas […]
Por Israel Minikovsky 15 min de leitura
O yuan é a segunda maior reserva de divisas global, ficando atrás somente do dólar. O governo chinês intensificou o uso do yuan como meio de pagamento em transações internacionais. Sabemos que o dólar construiu sua ascensão, em grande parte, com o petrodólar. E como o petróleo continua sendo importantíssimo, em que pese as novas tecnologias energéticas, agora temos o petroyuan. Cotar o petróleo em alguma moeda traz a conveniência de poder quitar as aquisições apenas imprimido papel-moeda, além do fato de que, quem recebe em yuan, preferencialmente usará esse crédito para importação de mercadorias do país em que se usa o mesmo meio de circulação. Com a formação do BRICS, que agora já aglutina dezenas de países para além dos componentes fundadores, uma fatia crescente de transações usarão yuan, rublo, real, etc. Teremos relações comerciais bilaterais e multilaterais que não fazem uso da moeda norte-americana. Quanto menos o dólar for usado, menos teremos necessidade de usá-lo. O capitalismo global, até o momento conduzido monocraticamente, doravante, será multipolar. A estratégia chinesa, crescimento econômico ininterrupto, uso do yuan como referência comercial internacional e endividamento dos demais países, deu muito certo. Para o Brasil, há muito tempo submisso a Washington, a nova conjuntura é uma oportunidade. Entraremos em relações comerciais novas, sem aquele apriorismo em que os países ricos diziam o quanto receberíamos por nossos produtos e quanto deveríamos entregar-lhes por suas tecnologias. Entramos para uma nova era econômica, diplomática e política. Na prática, os ianques se sentiam desafiados principalmente pelo euro, mas o elemento extra vem de um espaço exoeuropeu. Depois de séculos da Revolução Industrial, parece que enfim chegou o momento em que a periferia falará de igual para igual com os artífices desse grande sistema econômico que é o capitalismo. Marx centra sua crítica ao modo capitalista de produção no modelo calcado na geração de mais-valia. E a China usou esse expediente, a geração de mais-valia, como a mola do seu próprio alavancamento. Num país onde o Estado conta com uma capilaridade de força de trabalho que supera o bilhão, combinar esse volume de capital variável com alta taxa de mais-valia, não pode redundar em outro resultado que não seja uma tremenda produção de valor. Fosse pouco o referido êxito econômico, insta pontuar que, na instância social, o executivo federal chinês tirou milhões e milhões da miséria e da pobreza. Essa combinação, trabalho sério e assíduo, mais um Estado presente e altamente organizado e planejador, desembocou no ponto de inflexão ante o qual nos encontramos. Um país asiático desponta como potência no século vinte e um, por ter lido com atenção as obras de um pensador alemão do século dezenove. Meu professor de língua portuguesa costumava dizer que “o aluno que não supera o mestre, não é digno dele”. Por conseguinte, a China está de parabéns. Nós lecionamos, e os burocratas chineses aprendem e aplicam na prática. Se, ao longo da sua história, os Estados Unidos da América se firmaram como potência, lançando mão do uso da guerra, ao que consta, esta alternativa está fora de cogitação. China não é uma republiqueta fundamentalista, uma satrapia de gente atrasada. A Índia, outro gigante em despertamento, é outra âncora de proporções colossais, a estar integrando o novo bloco econômico. Nós brasileiros, ladeados por essa plêiade de parceiros comerciais, mudaremos o cariz do globo, edificaremos um mundo mais participativo e, diria, mais inclusivo e isonômico. Dizer que, a diferença entre capitalismo e socialismo, é que o primeiro funciona, já não encontra mais cabimento na conjuntura presente. A ética protestante gerou o capitalismo? Não o sei. No entanto, a ética marxista gerou o socialismo que deu certo na China, o capitalismo de Estado. Pelo visto, olharemos cada vez menos para a cabeleira de George Washington (ou seria uma prótese capilar?), e cada vez mais para a calva de Mao Tsé Tung.