A extensa luta entre civilização e barbárie
Janaína da Silva Bezerra, de vinte e dois anos de idade, estudante do curso de jornalismo da UFPI, foi morta dentro do campus da referida universidade. Naquilo que se costuma chamar “calourada”, ela foi estuprada e morta. O IML de Teresina informou que ela apresentou marcas de violência sexual, além do pescoço quebrado. Janaína era […]
Por Israel Minikovsky 13 min de leitura
Janaína da Silva Bezerra, de vinte e dois anos de idade, estudante do curso de jornalismo da UFPI, foi morta dentro do campus da referida universidade. Naquilo que se costuma chamar “calourada”, ela foi estuprada e morta. O IML de Teresina informou que ela apresentou marcas de violência sexual, além do pescoço quebrado. Janaína era a primeira pessoa da família a ingressar numa universidade. Aquilo que era para ser uma glória para a família, se tornou uma desonra e um desapontamento. O que a família de Janaína pensa, hoje, sobre universidade? A impressão que se tem, olhando para o facínora que protagonizou a triste ocorrência, é que tudo falhou: a família dele, a escola, a igreja, a mídia, a sociedade. Por outro lado, matar é humano. De Caim que sacrificou seu irmão Abel, até o dia de hoje, sempre existiram e existirão assassinos. Os códigos legais da antiguidade sempre contemplam, no seu corpo, este fato típico e antijurídico, que é o homicídio, ou, no caso, feminicídio. O aparato educacional é uma ferramenta poderosa no abrandamento da barbárie e no fomento aos bons costumes, os que trazem consigo a marca civilizacional. Mas o agressor se deixou influenciar mais pelos vis instintos do que pelas humanidades, que integram a aprendizagem do ensino superior. Enquanto o direito mundial percebeu que todos os seres humanos são legítimos titulares de prerrogativas indisponíveis e inalienáveis, o criminoso quis fazer prevalecer o entendimento de que mulher, negra e pobre, ainda que vencedora na vida pelos próprios esforços, não tem o direito a ter direitos. Seu lugar seria a invisibilidade, seu corpo deveria ser objeto de taras sádicas, a satisfazer a apetência sexual de quem via na vítima um ser subalterno, disposto para o uso e para o abuso. Não bastasse a cópula não consentida, o agressor não acatou a irresignação de sua vítima, potencial denunciante do mal que sofrera, e para deletar provas, subiu mais um degrau no pódio da perversidade, e liquidou, brutalmente, com a vida daquela que violara. É significativo que a vítima fosse estudante da área de concentração de comunicação social. A mídia tem prestado grande serviço à humanidade expondo essas brutalidades e os seus perpetrantes. Acontecimentos como este mostram que a educação, do infantil ao ensino superior, em alguns casos, não tocam minimamente o lado emocional e o caráter do estudante. A sociedade, na melhor das hipóteses, está formando técnicos, mas não seres éticos. O campus de uma universidade deveria ser um lugar tão seguro quanto as dependências de um mosteiro. Se no espaço predial universitário, local onde deveriam se achar concentrados os mais belos bastiões da inteligência, sobrevêm episódios como este aqui descrito, o que esperar da periferia? Como harmonizar esta contradição: o(a) acadêmico(a) vem da periferia, onde, no plano fático, não sofreu violência, vê seu direito à educação contemplado ao ingressar na universidade, para, ali dentro, sofrer a mais grave de todas as violências? Temos que repensar todas as coisas, do começo ao fim. Existe um grupo de pessoas que pensa e age desta forma: “não adianta pôr o pé na universidade, eu sempre olharei para você a partir da perspectiva do estigma social, você, para mim, sempre será uma favelada”. Os pensadores da Teoria Crítica insistem no fato de que as classes oprimidas são vítimas de alienação. Ao que me parece, Janaína da Silva Bezerra conseguiu transpor este obstáculo. Sim, isto é verdadeiro. Contudo, outro tipo de alienação nos desafia: aquele grupelho de antipessoas que pregam que párias serão sempre párias, que o lugar de “marginal” é à margem. O centro existe para os seres supostamente superiores. Precisamos corrigir isto, em nome da Luz!