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A figura da testemunha no processo civil

Por unanimidade, a Terceira Turma, do Superior Tribunal de Justiça, entendeu que pode ser admitida como testemunha, em ação de divórcio, pessoa jungida pelo liame da filiação a ambas as partes. O Código de Processo Civil exclui do rol de testemunhas pessoas que se vinculem a uma das partes como parente. No entanto, de acordo […]

Por Israel Minikovsky 16 min de leitura

Por unanimidade, a Terceira Turma, do Superior Tribunal de Justiça, entendeu que pode ser admitida como testemunha, em ação de divórcio, pessoa jungida pelo liame da filiação a ambas as partes. O Código de Processo Civil exclui do rol de testemunhas pessoas que se vinculem a uma das partes como parente. No entanto, de acordo com a referida Corte, se o vínculo é idêntico para com os dois polos do processo, estabelece-se uma isonomia de proximidade, ficando afastada a parcialidade. É bem verdade que, um filho ou filha, pode ter mais intimidade ou afeto com a figura de um dos genitores, em detrimento de outro. Contudo, o que o Tribunal afirma é que a presunção da tendenciosidade não é automática, e precisa ser demonstrada, se for o caso. Inclusive, filhos menores, impedidos ou suspeitos, podem depor. Todavia, deporão como informantes e não como testemunhas. O magistrado deverá ponderar sobre o valor relativo dessas falas. Se, do ponto de vista clínico ou psicológico, é contraindicado envolver os filhos em querelas dos pais, haja vista que são pessoas em processo de desenvolvimento, são eles que partilham o espaço doméstico com os supostamente adultos, e, por isso mesmo, ninguém melhor que eles para relatar as coisas que se passam durante a constância da união conjugal de seus ascendentes imediatos. Aliás, instruir bem e apreciar corretamente a matéria do divórcio, é de interesse dos filhos menores, pois deverá deter a guarda aquele ascendente que demonstrar as melhores condições para tal. A possibilidade de cometimento de erros, da parte do Judiciário, em análogas situações, vem sendo cada vez mais minorada. Hoje, a sociedade pode contar com a presença mais intensa de profissionais da psicologia, por exemplo, cujos relatórios facilitam enormemente o trabalho do juiz da causa. A recepção da figura do filho ou filha, outrossim, estriba-se numa nova concepção de ser humano. No passado, a criança era malvista, tida como sonhadora e refém da própria imaginação. Sim, esse perfil ainda existe, embora em menor proporção. Mas o fato é que, o processo de maturação mental, atualmente, sobrepuja em muito aquele de outrora. Qualquer que seja a idade ou a relação de proximidade ou distância em relação às partes, inexiste um ser humano absolutamente neutro. Somos, por natureza, enviesados e valorativos. A falta de opção tende a reforçar a admissão das pessoas filiais para fins de instrução processual. Numa relação afetiva preconiza-se o uso da comunicação oral, então as provas documentais, quando muito, servirão para demonstrar a existência de determinadas transações pecuniárias. Os profissionais do direito bem sabem que o melhor processo do mundo não resolverá os problemas da entidade familiar. Em que pese a relevância do direito, a maior parte das situações efetivamente significativas, para os membros daquilo que já foi uma família, passa ao largo da jurisfera. Sem embargo, são as pessoas físicas que deverão tomar sobre si o encargo de reparar rachaduras existenciais. O Estado-juiz não pode desconsiderar os aspectos não propriamente jurídicos que afetam o processo, mas porém, padece ao direito exercer aquelas funções que só podem ser protagonizadas pela fé, pela esperança e pelo amor. Em toda e qualquer situação, o politicamente correto é algo complexo e de tortuosa acessibilidade, entrementes, em se tratando de direito de família, o grau de dificuldade é ainda mais potencializado. O Estado, os legisladores, os burocratas empoderados não nos entregam o processo civil “dos sonhos” porque, em última análise, os que nos governam se deparam com as mesmas limitações que nós. Aquele, pois, que não deseja ser alvo de um depoimento filial que o coloque em desconfortável situação, deve primar pelo casamento, pela relação saudável e equilibrada com o cônjuge e com os filhos do casal. Se o direito nos é entregue na exata consonância com os fatos, é de bom alvitre manipular os fatos, na proporção em que eles decorrem das nossas atitudes, sobre as quais podemos dominar, enquanto que o direito, exterior à nossa consciência, não pode ser torcido, senão apenas selecionado segundo a espécie de cidadão que somos fora e dentro de casa. A cautela sugere, à vista disso, que tomemos as redes das nossas próprias realidades, enquanto a matéria não estiver judicializada. Luz!