A geografia como a conhecemos
Quanto ao seu antigo professor de geografia, dê-lhe um puxão de orelha, ou o parabenize, segundo for o caso. Qual a visão que você, amável leitor, tem da Rússia? Refiro-me especificamente ao seu status econômico. Disseram-me que a Rússia é o “pobre bem armado”. Que os russos têm um dos maiores arsenais do planeta, todos […]
Por Israel Minikovsky 15 min de leitura
Quanto ao seu antigo professor de geografia, dê-lhe um puxão de orelha, ou o parabenize, segundo for o caso. Qual a visão que você, amável leitor, tem da Rússia? Refiro-me especificamente ao seu status econômico. Disseram-me que a Rússia é o “pobre bem armado”. Que os russos têm um dos maiores arsenais do planeta, todos sabemos. Contudo, será que a Rússia é tão pobre quanto dizem? Pelo que me consta, a Rússia, hoje, é a quinta maior economia do planeta, ao lado de EUA, China, Índia e Japão. Isto sugere que, para além de interesses militares e geopolíticos, a guerra russo-ucraniana tem como fundo interesses, em primeira linha, econômicos. Fomos amestrados em considerar os países da Ásia Central, tais como Uzbequistão, Cazaquistão, Tadjiquistão, Afeganistão, Turcomenistão, Quirguistão, et cetera, como terra de gente atrasada, cultura atrasada, economia subdesenvolvida, um nada em todos os sentidos. Todos estes mencionados países, entretanto, são riquíssimos em recursos fósseis como petróleo e gás. Ali o idioma russo é o linguajar corrente (mesmo que não oficial). A força de trabalho destes países emigra para polos fabris russos, sem contar que os mesoasiáticos estão prosperando vertiginosamente, uma vez que suas economias estão em franca e incontestável expansão. A estratégica aliança sinorrussa tem rendido bons frutos aos envolvidos. Aquela parte do mundo, que nos habituamos designar como imerecedora de atenção, é a bola da vez. Ressalvo: ela sempre foi importante. Quiseram deletar de nosso pensamento esta sólida realidade social, civilizacional e ontológica. O concreto sobressaiu em relação ao campo pensamental abstrato, adrede invisibilizado. Justamente porque os elencados países sempre foram, tradicionalmente, no Brasil, categorizados como irrelevantes, na perspectiva metafísica, é que no âmbito da noosfera os estigmatizamos como destituídos de iniciativa teórica ou filosófica. Pois digo que é uma questão de honra e necessidade revisitar, ou se for o caso, começar a ler o que os pensadores dessas paragens teorizaram e continuam teorizando. Estes pensadores existem! Em qualidade e quantidade superiores a que possamos supor. O êxito econômico, social e político é o que valida uma teoria, uma perspectiva, visão de mundo ou metanarrativa. Álvaro García Linera observa que “toda vitória política é precedida por uma vitória no campo das ideias”. Então há uma circularidade entre o êxito da teoria que repercute positivamente na prática e vice-versa. O poderio russo ainda está a espelhar os acertos oriundos do ordenamento soviético. É claro que, por vezes, vem a ocorrer um desencontro de caráter temporal entre o postulado da teoria e a vida cotidiana, histórica e empírica. E é isto que leva Perry Anderson a dizer “E quando a esquerda finalmente chegou ao poder, havia perdido a batalha das ideias”. Todavia, será que a esquerda realmente perdeu a batalha das ideias? Faço essa pergunta porque muitos sugerem que os episódios de 1989 e 1991 infirmaram toda a produção teórica de esquerda. E o conflito global do momento presente, agosto de 2023, está dando como vivos aqueles que há muito tempo considerávamos como mortos. O atestado de óbito, dito de outro modo, já não atesta coisa alguma. Quem investiu na aprendizagem do inglês, como plano B, caso haja uma reviravolta cataclísmica no mundo, deve começar a ponderar seriamente, se não seria bem-vinda a aprendizagem do russo. Afinal, tudo o que parecia estar tão certo e previsível, já não no é exatamente, como assistimos às telas hollywoodianas. O mundo é multipolar, e quem não quiser ficar defasado no seu modo de pensar, haverá de conceber a compreensão de sua existência no viés multilinear, plurimatricial. A visão oitocentista e novecentista de que a Europa Ocidental e os Estados Unidos da América teriam galgado a vitória cultural sobre todas as demais culturas do globo, relegando ao imprestável o que passasse disso, está cada vez mais combalida, reduzida a um dislate precipitado e pedante. Luz!