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A História e o seu significado

Enquanto brincávamos de “jogar bexiga”, eu e o querido Mateus estudávamos para a prova de História. Ele explicava para mim a diferença entre o tempo histórico e o tempo cronológico. O primeiro é aquele ligado a uma cultura, que toma como referência fatos de relevância perene, não raro, com um significado espiritual. Dizia ele, por […]

Por Israel Minikovsky 15 min de leitura

Enquanto brincávamos de “jogar bexiga”, eu e o querido Mateus estudávamos para a prova de História. Ele explicava para mim a diferença entre o tempo histórico e o tempo cronológico. O primeiro é aquele ligado a uma cultura, que toma como referência fatos de relevância perene, não raro, com um significado espiritual. Dizia ele, por exemplo, que o calendário que usamos, cristão ou gregoriano, tem como marco zero o nascimento de Jesus Cristo, enquanto que os muçulmanos iniciam o seu calendário no ano 622 da Era Cristã, data da Égira, ou seja, da fuga de Maomé de Meca para Medina. Já os judeus acusam como data inaugural do calendário o ano de 3760, ocasião em que Deus teria criado o mundo. Já o tempo cronológico é o da máquina, da física. Na grade do curso de filosofia existe a disciplina de Filosofia da História. Ela procura responder à pergunta se existe uma meta, um desfecho ou um sentido para a História. Como quase tudo na filosofia, as respostas são várias e divergentes. A escatologia, uma subárea da teologia, parece responder melhor a esta questão. Dia 21 de abril rememoramos Tiradentes. No geral, as grandes personalidades históricas sugerem estar à frente do tempo durante o qual viveram. A biografia desses ícones, aliás, sugere uma espécie de progressismo no curso da História, como concebem os iluministas. Contudo, a noção que se tem de progresso também muda. Uma cidade repleta de chaminés, e com ar irrespirável, já foi sinônimo de progresso. Neste momento, no entanto, a União Europeia chama a atenção do mundo, para si, por aprovar um pacote de medidas que radicaliza o respeito ao meio ambiente. Um dia se entendeu que a monarquia era uma sucata política, administrativa e civilizacional, e deveria ser derribada. Hoje, as monarquias remanescentes transmitem um ar de tranquilidade, e perduram em países de invejáveis indicadores socioeconômicos. Se um dos objetivos de uma ilustre personalidade, tal como o alferes Joaquim José da Silva Xavier, era criar uma universidade em solo brasileiro, atualmente, passados mais de duzentos anos, assistimos à concretização desse desejo, quando a tecnologia põe ao alcance de todas as classes sociais, mais de uma centena de graduações, cujo custeio cabe no bolso de quem recebe o mínimo. Na antevéspera do feriado nacional, vinculado ao indigitado herói republicano, comemora-se o dia dos povos indígenas. E uma liderança tradicional defende o “reflorestamento das mentes”. Mais um paradoxo: no passado, progresso era campo aberto, sem vegetação. Agora, progresso se faz acompanhar por arborização. Em História, tudo é uma questão de contexto. Fazer História é para poucos. A maior parte da humanidade nasce, vive e morre no anonimato. E somente os feitos extraordinários vêm à tona. O amável leitor me permite ilustrar o que vem a ser um “feito extraordinário”? Vamos lá: em 05 de março de 2000, aos 40 anos de idade, a mexicana Inês Ramirez Perez, residindo numa casa isolada no cume das montanhas de Oxaca, ao sul do México, fez um procedimento cirúrgico de grande porte em si mesma. Empós 12 horas de dores de parto, à meia-noite, debaixo da única lâmpada do abrigo, sentou-se num banco de madeira, ingeriu uns goles de álcool isopropílico, tomou uma faca de 15 centímetros, e deu-se a tarefa de sulcar o próprio ventre, para tirar de si o seu filho. Milagrosamente, a cesareana foi bem-sucedida, quero dizer, mais claramente, mãe e filho sobreviveram. O assistente de saúde da região, assim que chegou ao local, cortou o cordão umbilical e costurou a barriga da parturiente com linha comum. Isto sim, é fazer história. Tanta hombridade, faz empalidecer o maior dos baitas machos. Como ouvi dizer de uma feminista: “foi capaz de fazê-lo, por ser mulher, fosse um homem, não aguentaria”. Alguém se atreve discordar? Atitudes bem mais singelas podem alavancar avanços históricos tremendos e, para ser bem específico, cabe-nos a oportunidade de revolucionar os tempos, fazendo isso: reciclando materiais, quitando os débitos no comércio, recolhendo o imposto devido, sendo responsável pelo cuidado com os filhos, dando o máximo de si no seu local de trabalho. Não é bem mais simples do que ser gestante nos locais ermos do México? Luz!