A linguagem do Brasil Paralelo
A tradição filosófica ocidental tem abordado seu objeto de estudo, o ser, a substância, ou seja lá o que for, sempre com uma metodologia diferente. Pois, de acordo com o termo que nominamos o alvo de nosso interesse, parece que, o mesmo de sempre, passa a ser outro. Uma das últimas grandes reviravoltas da filosofia […]
Por Israel Minikovsky 17 min de leitura
A tradição filosófica ocidental tem abordado seu objeto de estudo, o ser, a substância, ou seja lá o que for, sempre com uma metodologia diferente. Pois, de acordo com o termo que nominamos o alvo de nosso interesse, parece que, o mesmo de sempre, passa a ser outro. Uma das últimas grandes reviravoltas da filosofia foi a guinada da linguagem. Fazer filosofia passa por analisar a linguagem, como ela funciona e se estrutura, qual sua real relação com o mundo. É impressionante notar como um frankfurtiano, um teórico crítico, ou um marxólogo, maneja um invejável repertório de conceitos, com serenidade e sobriedade, sem precisar recorrer a um vocabulário chulo ou agressivo. Bem outro é o caso dos vídeos do tal “Brasil Paralelo”. Ali se faz uma intensa campanha de desqualificação dos seus desafetos. Tudo é ridicularizado e apequenado. A ironia é uma postura que contamina transversalmente tudo que se pretende repudiar. As pessoas de esquerda são apresentadas como uma quadrilha que planeja destruir o mundo, a família, a religião, tudo o que existe de bom e valoroso. A afobação, a frustração, o sentimento de perda, não apenas marca a fala do influenciador, mas estes mesmos estados de ânimos são infundidos em quem se presta de plateia a estes discursos. O discurso não é racional, coerente, concatenado. Ele é insinuador, presunçoso, debochado. E essas características não são marcadores ocasionais ou meras coincidências. Os protagonistas dessa ideologia conhecem o perfil psíquico do seu público, e empregam uma comunicação compatível com a frequência mental dos potenciais novos alienados. A esquerda, para os paralelistas (seria este termo um neologismo?), estaria orquestrando um movimento mundial para acabar com os valores do Ocidente, e com a própria civilização ocidental. Esquecem-se eles, de que um dos maiores contributos da civilização ocidental ao mundo, foi o próprio esquerdismo, o sonho com uma sociedade melhor, aquilo que eles tanto deploram, nas mídias que fazem circular na internet. A rigor, é difícil entender uma possível lógica na retórica dos paralelistas. Nada ou muito pouco se assimila. Até porque, sua estratégia número um, é a sensação da perda do chão sob os pés. Assim, “cair na real” requer jogar no lixo todas as utopias. O desespero dos paralelistas advém disso: aquele mundo bonito, que estava tão longe, agora começa a se concretizar. Logo, o bonito precisa ser pintado com as cores do feio. As universidades federais, que preconizam a diversidade e a inclusão, são definidas como um antro de corrupção, dentro delas mesmas, e já impingindo o mesmo jaez a toda a sociedade. Nada é conhecimento, tudo é ideologia. Por que os paralelistas não conseguem articular uma argumentação minimamente fria e sóbria? Ora, justamente porque, neste plano conceitual, a chance de vitória não é irrisória, é nula. A honestidade e a moralidade não casam com terraplanismo, negacionismo e outras antiinteligências. O conhecimento e o estudo são apresentados como ilusões. Sempre sob o pretexto de que um diploma não traz emprego e renda, sonegando-se a verdade primordial de que o intuito número um de todo o conhecimento é fazer dos seus cultores seres humanos melhores. O diploma universitário é equiparado a um título ou debênture sem liquidez, como se o único aspecto importante fosse o econômico. O amor à educação é apresentado como “educacionismo”, ou seja, uma paixão ao certo, ao correto, ao bom, é reduzido a uma ideologia mal intencionada e enganadora. O ato que visa à edificação do ser humano é definido como uma espécie de estelionato. Façamos a transcrição da linguagem oral para a textual, e nos debrucemos sobre estas falas, observemos se ali existe algum resquício de cientificidade, ou se, ao menos, é possível identificar conceitos técnicos, ou de alguma valia filosófica. Logo se verá que não passa de uma verbosidade, carente de qualquer sentido. Esses tais influenciadores mostram um ego ferido, um sentimento não correspondido, uma suposta superioridade não reconhecida. A afirmação do direito do outro é o que mais lhe incomoda. Acolher o outro e tratá-lo com isonomia é motivo para escândalo e vergonha. No mundo, em que as oportunidades estão abertas a todos, a hierarquia é relativizada e, portanto, a felicidade advinda de uma visão supremacista é solapada, de sorte que absolutamente ninguém pode se realizar e ser feliz. Onde todos podem ser feliz, não há felicidade. Ela só se verifica e se mede pelo contraste. Esse é o entendimento desta gente. Os paralelistas deploram, ridicularizam, debocham, desqualificam. Eu sou socialista, eu simplesmente amo, e isto me basta! Luz!