Em 13 de outubro de 2024, no Município de Nova Fátima, no norte do Estado do Paraná, um menino de nove anos invadiu um hospital veterinário e matou vinte e três animais, que ali estavam internados. O menino vive com a avó e, até onde se sabe, não teria diagnóstico de transtornos mentais. Os animais foram arremessados contra a parede, e alguns tiveram partes do corpo mutiladas. O menino, cujas imagens ficaram registradas no circuito de câmeras, confessou o que fizera, mas não demonstrou arrependimento. O proprietário do local e médico veterinário, Lúcio Barreto, relatou que ficou emocionalmente impactado, pois há anos cuida de animais e jamais testemunhou nada parecido. Ele ainda pontuou que é escabroso e desnorteante se deparar com um contexto como esse, protagonizado por uma criança, um dia após o dia das crianças. Pois bem, quem não desenvolveu suas habilidades e competências comunicativas, acha-se privado de expressar o que quer, o que precisa, o que sente, através da articulação da linguagem. O que a criança pretende dizer com palavras e seu processo de verbalização não alcança, ela o faz por meio de comportamentos. Um dos fundadores da Índia moderna, Mohandas Gandhi, emancipou seu país, do domínio britânico, quebrando teares. O ludismo indiano faz parte de um plano maior, calcado no pacifismo. Gandhi repudiava a violência e, por isso mesmo, orientava seus compatriotas a dirigir seu ódio a coisas, às máquinas, nunca investindo contra a vida de seres humanos. Ora, veja-se que, matar mais de duas dezenas de vidas animais é, no plano ontológico, mais grave do que depredar coisas inanimadas. O que o menino gostaria de fazer, com a figura humana, que protagoniza a função de opressor na sua existência, e ele não pode fazer, pela razão de compreender qual é seu exato lugar na correlação de forças, ele o fez com os animais, estes, tão vulneráveis quanto ele, o algoz. Todo ser humano carrega consigo uma determinada quantia de agressividade. Contudo, se a pessoa tem uma vida conturbada, se o sujeito passa por circunstâncias altamente estressantes, ou a todo momento assiste à violação dos próprios direitos, essa agressividade aumenta, a ponto de, em alguns casos, ultrapassar a linha do administrável. A demonstração de ausência de arrependimento mostra, no mínimo, duas coisas. Primeiramente, que o autor da ocorrência, em que pese ter meros nove anos, já está profundamente dessensibilizado. A dor alheia não dói nele. Essa é a manifestação de uma verdade interna, a de que as pessoas do seu entorno são indiferentes ou apáticas ao que ele transmite emocionalmente. O infante não consegue estabelecer sintonia emocional com seus ladeantes, porque ele próprio ficou relegado à desconexão. Em segundo plano, fica patenteada a falta do senso de moralidade e justiça. A autocrítica e a autorreprovação não encontram lugar no intelecto do agente. A ausência do juízo de reprovabilidade, seja para com as condutas erradas de terceiros ou de si próprio, são a prova cabal do histórico de negligência de que foi vítima o agente. Essa criança precisa de acompanhamento: psicológico, psiquiátrico, pedagógico, socioassistencial, ela oferece risco a si mesma e aos outros. Por que o menino encontra-se sob os cuidados avoengos? Quem são seus pais? Por que não têm o infante junto de si? Conselho Tutelar, Ministério Público e Judiciário deverão cooperar para que a judicialização dessa situação logre a superação do status vigente. Não foi divulgado o nome do menino, mas por uma via ou por outra, a comunidade local toma conhecimento da identidade do agente. É preciso superar o sentimento de ódio e frustração, ainda que você, amável leitor, seja um militante da causa animal, e concentrar as forças na prestação de cuidados. A desproteção das animálias afere o nível de desproteção do ofensor. O ordenamento jurídico é um sistema, e só funciona sistemicamente: em última instância, a Lei de Proteção aos Animais foi vergastada em razão do inadimplemento do Estatuto da Criança e do Adolescente. Isso significa que o menino deverá, sim, ser responsabilizado, mas porém, o Estado deverá preconizar as garantias constitucional e legalmente afiançadas aos seres humanos em desenvolvimento, em caráter de prioridade absoluta, a fim de respaldar e legitimar suas expectativas jurídicas e políticas, firmando uma correspondência entre direitos e deveres, na relação cidadão-Estado. A ocorrência em apreço é o retrato fiel do modo como nós, sociedade, vimos tratando o agente, e é, indubitavelmente, um pedido de socorro. Que fique bem entendido.