Armas de brinquedo
O Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade de uma lei paulista que proibia a produção e comercialização de armas de brinquedo. O contestante alegou que a competência legal para regulamentar a matéria de produção armamentista é federal. De fato, há lei federal proibindo a produção de armas de brinquedo que venham a ser simulacros de […]
Por Israel Minikovsky 14 min de leitura
O Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade de uma lei paulista que proibia a produção e comercialização de armas de brinquedo. O contestante alegou que a competência legal para regulamentar a matéria de produção armamentista é federal. De fato, há lei federal proibindo a produção de armas de brinquedo que venham a ser simulacros de armas de verdade. E o Estatuto da Criança e do Adolescente itera o interdito. No entanto, a matéria consumerista é de competência concorrente, isto é, partilhada entre União e Estados. Calcada nesta tese, a parte autora viu seu pedido principal ser reconhecido e provido. Talvez, aos olhos do leigo, a discussão não faz o menor sentido, porque, de qualquer forma, a produção e comercialização de armas de brinquedo continuam proibidas. Tudo fica, pois, como dantes, no reino de Abrantes. A diferença é esta: uma vez reconhecida a possibilidade legiferante de as Assembleias Legislativas regulamentarem a matéria, do principal decorre o acessório, seja ele, a implementação de quadros de carreira para o funcionalismo estadual, selecionando agentes para a função de fiscal. Em termos concretos, isto significa que o Estado, latu sensu, conseguirá dar eficácia ao direito do consumidor, punindo o inadimplemento e fomentando a observância da norma. Seria, no mínimo, estranho que a mesma Suprema Corte proibisse a leitura compulsória da Bíblia no espaço escolar, de um lado, e, por outro, autorizasse a produção e comercialização de armas de brinquedo. (Digo isso, mesmo sabendo que, do ponto de vista puramente jurídico, uma coisa não tem nada a ver com a outra). Nós, os tecnicamente adultos, devemos pensar onde queremos chegar com nossos filhos, pupilos, alunos. Não me parece plausível incentivar o uso de armas e outros petrechos relacionados ao emprego de força física. A ginástica é algo que deve ser praticado, sobretudo visando à boa saúde. Mas a grande força do ser humano está na sua inteligência e capacidade de pensar. Basta de violência! A criança que passa pelo serviço de proteção aos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, tornou-se um sujeito dévio, porque agiu como lhe foi ensinado no arranjo familiar e na comunidade de que faz parte. Então, se pode ser ensinada a infringir a lei e automarginalizar-se, pode ser ensinada a ser profissional e cidadã, útil a si mesma, à sua família e à sociedade. Nada de armas! Livros, cursos, conhecimento, curiosidade, busca pela alma das coisas e dos fenômenos. É preciso aprender a pensar, o que inclui pensar sobre o próprio pensamento. Num tempo de recesso democrático, encetado, inclusive, para a desarticulação da cúpula do Judiciário, decisões como estas mostram bem à sociedade a utilidade e imprescindibilidade das referidas instâncias tribunalícias, bem como dos guardiões que lhe dão vida e alento. Se o teor de uma decisão como esta não referenda o Supremo, que haverá, afinal, de lhe legitimar? Eu não poderia deixar de fazer apologia ao próprio Texto Constitucional. Na Carta Magna é dito que a criança e o adolescente têm prioridade absoluta. E o Marco Legal da Primeira Infância quis dar forma e aspecto a esta diretriz, descendo às minúcias próprias do mundo empírico, tudo aquilo que integra o universo da pessoa em processo de formação. Estudos acadêmicos do mundo todo, nos mais variados ramos do saber, convergem para a verdade de que todo o investimento é pouco para pessoas nesta faixa etária. O gestor público não ouse ser omisso nesta questão. Quando o Judiciário estende a aba do manto sobre os infantes, não faz mais que sua obrigação. Mas se o Judiciário cumpre este seu dever, ele merece o reconhecimento de toda a sociedade. A maior parte das coisas extremamente importantes são simples, simples!