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Arrastão biológico

A pandemia do covid-19 passou, mas levou consigo muitas vidas. Corrijo: ainda agora há gente contraindo a moléstia e vindo a óbito por tal razão. De todo modo, o dia 12 de fevereiro de 2023, ao menos oficialmente, foi o primeiro no país a não registrar nenhuma morte em decorrência do transtorno viral. Passado aproximadamente […]

Por Israel Minikovsky 14 min de leitura

A pandemia do covid-19 passou, mas levou consigo muitas vidas. Corrijo: ainda agora há gente contraindo a moléstia e vindo a óbito por tal razão. De todo modo, o dia 12 de fevereiro de 2023, ao menos oficialmente, foi o primeiro no país a não registrar nenhuma morte em decorrência do transtorno viral. Passado aproximadamente um trimestre, mais precisamente em 05 de maio do mesmo ano, a ONU retirou o decreto de emergência global de saúde, devolvendo, do ponto de vista jurídico, a normalidade, antes tão combalida. Contudo, a esta altura dos acontecimentos, a civilização planetária deu falta de 7 milhões de terráqueos. Segundo estatísticas atualizadas até 10 de maio de 2023, o Brasil registrou 37.511.921 casos, dos quais 702.116 resultaram em morte. Matematicamente isto representa uma mortalidade de 334,1 por 100 mil habitantes, ou, dito de outro modo, uma letalidade na ordem de 1,9% (a conta não fecha, copiei e colei do site do governo). Os três primeiros anos da pandemia, que principiou no ano de 2019, referência numérica que atribui sobrenome ao coronavírus, foram os mais duros e agressivos. Houve uma recessão generalizada na maior parte das atividades econômicas. Se bem que, exceções à regra, foram várias. Quem vinha trabalhando com compra e venda de móveis, viu o próprio negócio disparar, nos meses de confinamento doméstico. O setor de entretenimento midiático foi outro ramo que teve seus dias de glória. As classes populares foram empurradas em grande medida para a informalidade. Este é um problema digno de atenção em nosso país. Por mais que falem mal da reforma da previdência (não sem razão), ela cumpriu um bom propósito. Há anos atrás, no Brasil, o sujeito começava a trabalhar na adolescência, e aposentava-se antes dos quarenta, em muitas das vezes cumulando insalubridade, ou outra condição especial. Esta circunstância acarreta um problema duplo: não raro, o segurado do regime geral passava mais anos recebendo o benefício do que aquele período efetivamente trabalhado, em que eram feitas as deduções contributivas, e, como ainda tinha saúde e energia, ia para o trabalho, na informalidade (tirando a vaga de uma pessoa jovem que, em tese, teria carteira de trabalho assinada e contribuiria para o INSS). A flexibilização trabalhista, cuja vigência deu-se em tempo síncrono ao da crise global sanitária, além de não ter alcançado a meta, que era incluir pela mediação da precarização, colheu resultados marcados pela natureza idêntica ao do instrumento empregado. Não conseguimos o bom pelo ruim, mas o ruim fez se propagar, qual erva daninha. Digo estas coisas para percebermos que, do ponto de vista biológico, os membros da coletividade devem estar igualmente expostos, no entanto, a estratificação social sinaliza para o fato de que, os maiores danos, tendem a ser cada vez mais concentrados, na medida em que os indivíduos se veem abarcados pelas categorias sociais mais distantes do padrão “a”. Dito isto, colho a ilação de acordo com a qual, um poder executivo federal, imbuído do projeto de ser governo de verdade, não pode reputar desimportante o mútuo entendimento entre o Ministério da Saúde e o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. Uma pandemia global, do ponto de vista estratégico, é uma intimação para Estados e governos, no sentido de que se espertem, se agilizem e tomem as recomendadas cautelas, dês que, não é de todo descartável uma dada hipótese, em outra ocasião, vermo-nos envoltos numa pandemia estigmatizada por um ciclo de duração maior do que aquele da covid-19. Nessa perspectiva, o isolamento vem acompanhado por problemas meteóricos de matiz econômico e, para ser bem assertivo, de segurança social e alimentar. Se o mundo foi convertido num béquer de laboratório, sendo nós as cobaias, o mínimo de se esperar seria o registro minucioso dos desdobramentos do movimento geral, a fim de pensarmos as melhores táticas para a onda biológica futura que se aproxima. Luz!