Arremessando bebê janela afora
Primeira infância: o cuidado que temos dispensado ao futuro da humanidade
Por Cleverson Israel 17 min de leitura
Em 24 de fevereiro de 2025, uma turista norte-americana pariu uma criança num hotel, em Paris, e precipitou o recém-nascido janela afora. Ela estava no segundo andar. A criança foi encontrada ainda com o cordão umbilical. O infante não resistiu aos ferimentos. A mãe tem 18 anos de idade e estaria na França para uma “viagem de estudos”. Bem, a pergunta que emerge é esta: por que razão uma cidadã do país mais rico do mundo teria defenestrado a prole, que mal saiu do seu próprio ventre, sobretudo na cidade que é tida como a mais glamourosa e elegante que se conhece? O Código Penal brasileiro, que é de 1940, já destacava, por parte do legislador, um tratamento diferencial para a mãe em estado puerperal. Nos momentos que sucedem o parto podem ocorrer severas descompensações químicas no cérebro da parturiente, comprometendo sua formulação de juízos. Tanto é que, num caso como este que aqui narramos, o crime não é considerado homicídio, mas infanticídio, hipótese que recebe um viés adequado ao perfil da ocorrência. A psicologia ensina que a mãe pode passar por uma forte sensação de incapacidade diante da responsabilidade de educar um filho e formar um ser humano. É um sentimento de extrema impotência. Sendo a mãe jovem e inexperiente, essa sensação pode ser ainda mais impactante. Antes de culpabilizar a genitora, cumpre observar a amplitude e eficiência da rede de apoio que cingia esta mulher. A família aceitou a gravidez? Qual era o padrão de relacionamento com o pai da criança? Qual era a condição econômica da genitora? Ela fazia uso de drogas? A responsabilidade por uma criança é da família, da sociedade e do Estado. Desconhecemos a condição econômica da família, seria de abastança ou de carestia? Bem provável é que a mãe não tivesse renda própria. Com meros 18 anos de vida, fica sugerido que não tivesse formalizado nenhum vínculo de emprego, sendo dependente dos seus responsáveis. Os Estados Unidos da América são o país onde tudo precisa ser pago, inclusive em matéria de saúde. Quem não tem condições financeiras de bancar o custeio de serviços hospitalares, para si ou para um familiar, deve esperar pela morte. Esse mercantilismo em matéria de saúde e bem-estar humanos, ao menos em parte, explicaria este episódio extremo, tão chocante para o público leitor. Em qualquer sociedade humana, em se tratando de saúde, o ordenamento jurídico deveria estar voltado, em primeiro lugar, para os interesses e para os direitos das pessoas, resguardando a prioridade absoluta de crianças e adolescentes, e só depois, ou em último lugar, para o lucro das empresas que atuam no ramo. O Ministério Público Federal norte-americano deveria ofertar denúncia em face do chefe do Executivo Federal, Donald Trump, por omissão, com fundamento nos fatos aqui descritos. Em minha humilde ótica, nem se trataria de culpa, mas de dolo. Quem pratica uma política pública de saúde tão avessa ao cidadão, assume, deliberadamente, o risco de produzir o resultado morte, o que se enquadra dentro da categoria de dolo. O Estado tem de oferecer muito mais do que um acompanhamento pré-natal. Acatando as orientações dos Cadernos Humaniza SUS, é necessário que se construa um documento chamado PIA – Plano Individual de Atendimento, em que a gestação do nascituro e a saúde da mãe são minuciosamente acompanhadas e planejadas. Não foi a primeira vez, e não será a última, que um fato escandaloso como esse acontece. A questão é: o que podemos aprender com o ocorrido? Que devemos fazer para a evitação da consumação de uma ocorrência como essa? Trasladando a ocorrência para o contexto brasileiro, pontuaria o seguinte: O ocorrido deixa patente que faltou acompanhamento e que faltou articulação dentro da rede de proteção. A pediatria precisa conversar com o departamento de saúde mental. A saúde deve conversar com a assistência social. A escola deve manter informados os integrantes da rede, as secretarias do Município, o Conselho Tutelar, o Poder Judiciário e o Ministério Público. A negligência, no caso aqui em comento, foi tão escrachante, que a mãe olhou para a criança e, como se dissesse para si mesma, “o que eu faço com esse bebê?”, na sua ignorância, descartou o inocente ser humano. Não aconteceu numa tribo de índios, aconteceu no seio daquilo que denominamos de “civilização”. A ocorrência exibe a dificuldade, que uma parcela substancial da sociedade encontra, de integrar-se aos aparatos necessários ao exercício da cidadania, e a dificuldade de acessar serviços indispensáveis à manutenção da vida e da saúde. Garantias jurídicas mínimas são luzes, para as presentes e futuras gerações de cidadãos, desta aldeia global!