Arte para pessoas inteligentes
Estou convicto de que a arte é para pessoas inteligentes. Ela não resolve problemas, antes disso, os instiga, a fim de que o apreciador estético se incumba desse mister. Com grande pesar, na última terça-feira, 27 de março de 2023, Cecilie Hollberg, diretora do museu italiano que abriga a escultura “Davi”, da autoria de Michelangelo, […]
Por Israel Minikovsky 14 min de leitura
Estou convicto de que a arte é para pessoas inteligentes. Ela não resolve problemas, antes disso, os instiga, a fim de que o apreciador estético se incumba desse mister. Com grande pesar, na última terça-feira, 27 de março de 2023, Cecilie Hollberg, diretora do museu italiano que abriga a escultura “Davi”, da autoria de Michelangelo, que lhe dedicou quatro longos anos, de 1501 a 1504, denunciou a perversão do senso estético. Onde todos deveríamos enxergar arte, alguns enxergaram pornografia. Hope Carrasquilla, professora e diretora de uma escola do Tallahassee, capital da Flórida, exibiu a obra para alunos de idade entre 11 e 12 anos. Alguns pais reprovaram a atitude da professora e exigiram seu desligamento da unidade escolar. Foi o que aconteceu. Infelizmente. Fica a questão: a maldade está na obra de arte, ou nos olhos de quem vê? Porque nem toda nudez é pornografia. A pornografia se presta a fins libidinosos. A arte serve para expressar a natureza do jeito que ela é, exaltando a perfeição Daquele que fez todas as coisas. Bem compreendida, aliás, a obra “Davi” passa a ideia de pureza e perfeição. Recentemente, o aludido Estado americano aprovou lei reforçando as prerrogativas familiares de escolher o que seus filhos devem tomar conhecimento ou não. A arte não está aí para ser censurada, deplorada, atacada, mas compreendida. A obra de arte ultrapassa a si mesma. Mais que sua exterioridade, a obra de arte vale por aquilo que ela tenciona transmitir. A professora de artes procurou democratizar o acesso à arte, oportunizando que um maior número de pessoas esteja habilitado a verbalizar considerações qualificadas, pairando acima do senso comum ou vulgar. A pior educação sexual é aquela que nega a sexualidade, como se ela não fizesse parte da vida. O exemplo que ora se comenta ilustra o absoluto desconhecimento da parte de algumas pessoas sobre as origens da cultura ocidental. A arte contribuiu fortemente para que a cultura do Mediterrâneo se tornasse na grande cultura universal que ela é nos dias de hoje. Não adianta o professor de filosofia explicar para os seus alunos a dúvida metódica cartesiana ou o método fenomenológico husserliano, se é proibido despir uma estátua do seu traje de carrara. Aliás, não é só a filosofia que fica embargada. Fico a pensar no pobre aluno que sonha em ser médico e, logo no início do seu percurso formativo, entende que uma pseudomoral impede que nos aproximemos de nosso objeto de estudo e intervenção. Um bom intelectual precisa afirmar a realidade, e não negá-la. Nada pode principiar pela rejeição. É no paradoxo e no desafio que o formando cresce e passa da infância à adultícia. A arte comunica uma mensagem. Assim sendo, quando a obra de arte é ocultada, resta prejudicada a liberdade de pensamento e expressão. Invocando um argumento moral hipócrita, estes pais, na verdade, estão subtraindo um direito fundamental dos seus filhos, a interação com elementos do mundo carregados de significado e simbolismo. Quando uma criança é pequena, ela deve ficar longe de objetos cortantes, de terminais elétricos e de produtos químicos, dentre outros. Todavia, há de existir um momento a partir do qual o ser em desenvolvimento esteja apto a conviver com estas realidades sem se machucar com elas. Isto é tão ou mais verdadeiro em relação aos produtos culturais. Ou vamos dizer a pré-adolescentes de 11 e 12 anos que eles foram trazidos pela cegonha? Tanta imoralidade grassa pelas ruas e outros domínios públicos, como os meios digitais, e todos são cúmplices por negligência. E aí, quando uma obra de arte é exibida, de modo dirigido e supervisionado por quem tem competência técnica, levantam-se insurgentes, por que, afinal, perseguir professor gera mais mídia, o que é ótimo para quem tem como meta de vida, aparecer por aparecer. O mérito, de mediocridade como esta, é oportunizar a hora certa para escrever o que aqui escrevi. Não fosse essa ocasião, eu teria de permanecer esperando ocorrência similar, para realizar estes apontamentos. Luz!