Até que enfim, mais do que na hora
No Estado de São Paulo entrou em vigor uma lei que proíbe trotes violentos em faculdades e escolas. Aprovada no legislativo, a proposta foi sancionada pelo governador Tarcísio de Freitas. A iniciativa legal partiu da autoria da deputada petista Thainara Faria. Estamos a nos reportar à Lei n. 18.013, de 05 de agosto de 2024, […]
Por Israel Minikovsky 16 min de leitura
No Estado de São Paulo entrou em vigor uma lei que proíbe trotes violentos em faculdades e escolas. Aprovada no legislativo, a proposta foi sancionada pelo governador Tarcísio de Freitas. A iniciativa legal partiu da autoria da deputada petista Thainara Faria. Estamos a nos reportar à Lei n. 18.013, de 05 de agosto de 2024, que “obriga as instituições de ensino técnico e superior a tomarem medida de prevenção e responsabilização diante de casos de violência envolvendo estudantes”. O âmago da novel legislação concentra-se logo no artigo primeiro: “É vedada a realização de atividades de recepção de novos estudantes, ou ao longo do ano letivo, em instituições de educação técnica e superior que envolvem coação, agressão, humilhação, discriminação por racismo, capacitismo, misoginia ou qualquer outra forma de constrangimento que atente contra a integridade física, moral ou psicológica dos alunos”. Em todas as sociedades humanas há rituais de passagem. Em sociologia existe o conceito de “cerimônia de degradação” que, na prática, é um achincalhamento do neófito. Bem administrado, o trote, ou o ritual de passagem, pode ser algo positivo. Realmente, há uma transformação na vida do acadêmico recém-chegado, mais adiante exercente de uma relevante função social albergada pelo seu fazer profissional. O simbolismo é positivo e útil. O que merece reprimenda são os excessos. Diversas vezes tive a infelicidade de ler, em noticiário, que calouros tenham sido mortos em trotes. Inadmissível! É triste reconhecer que o legislador precise puxar essa demanda para si, uma vez que se ausenta o bom senso. Universitários deveriam ser pessoas racionais tomando decisões racionais. Não raro, os trotes mais violentos se dão nas turmas cujo ramo de saber goza de maior prestígio, como medicina, direito, engenharias, etc. Ora bem, os veteranos, frequentadores desses cursos, deveriam ser um verdadeiro exemplo de civilidade e bom proceder. As alunas, recorrentemente, não só não veem sua fragilidade respeitada pelos aplicadores do trote, senão pior do que isso, são vítimas de abusos libidinosos. Ora, tal conduta é tipificada pelo Código Penal como crime. O campus não pode ser um espaço onde a legislação penal é flexibilizada, pelo contrário, ali deveria haver mais rigor do que em outros ambientes. Eu já soube de relatos dando conta de que o estudante usou droga, pela primeira vez na vida, durante o trote, sob coação para fazê-lo e, na sequência, viciou-se em tóxicos e nunca mais superou a dependência química. Que belo legado! Aos alunos intimidadores devem ser circumpostas todas as espécies de dificultação, desde a ocorrência da infração, até sua colocação no mercado de trabalho após a colação de grau. Porque, se um novato revida a agressão, logo é fichado. Mas ninguém lhe protege a integridade antes do ato violento sofrido. Dito de outro modo, violência gera violência. E é ilógico e inconsequente aquiescer a uma violência primeira e repudiar a violência quando ela já é uma resposta a uma agressão injusta. Ninguém quer estar nesta posição: todos podem agredir-te, mas tu não podes agredir ninguém, nem a título de resposta ou retaliação. Seria um modelo de direito ou justiça muito torto, péssimo mesmo. O veterano que machuca, entorpece, mata, estupra, e não é punido, é a grande promessa do político clássico, amado, admirado, ainda que roubador do erário e da sociedade. Portanto, quem comigo deplora esse tipo de gente, deve ajudar-me a aprovar algo similar ao posto em circulação no território paulista, pelo legislador nativo, crente de que a providência é igualmente servível em nosso austral paralelo. O encaminhamento ilustra bem o perfil da autoridade providente, uma pessoa preocupada com a urbanidade, com a civilidade e com a humanidade dos cidadãos. Ser de esquerda é basicamente isto: assegurar a ética mínima, a segurança mínima, alfim, todos os mínimos jurídicos, todas as garantias fundamentais. Quem imagina ser experiente deve compreender que a experiência resulta numa sabedoria de vida tal que conduz ao cuidado para com o outro, para com a sua dignidade e para com sua riqueza ontológica. O trote é um fato social. Diga-se de passagem, fato social não se abole por decreto. Por conseguinte, seria o caso de planejar um momento de simbolismo pacífico, significativo, marcante e comprometido com a integridade daquele que principia a trilha do mundo do conhecimento. Razoabilidade e bom senso são luz!