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Bem melhor que a caninha 51!

Coluna

Por Cleverson Israel 17 min de leitura

Informação postada em 04 de outubro de 2024, e tendo como procedência a respeitável Agência Câmara de Notícias, nos instrui de que há um projeto em tramitação que cria serviço profissional remunerado, para acadêmicos recém-formados, que ainda não puderam lograr uma vaga no mercado de trabalho. Em tese, o projeto propõe que o serviço seja não só remunerado, mas compulsório, e orientado para a prestação de serviços em comunidades carentes. Para quem quiser ler na íntegra, refiro-me ao Projeto de Lei n. 2.618/2024. Segundo está escrito ali, ficam incumbidos os recém-formados, de instituição de ensino superior pública, e sem trabalho, a prestar auxílio a comunidades periféricas, de acordo com sua área de formação. O projeto se encontra em análise na Câmara Federal. Este trabalho será temporário, não excedendo seis meses. O valor de remuneração será fixado pelo Executivo Federal. Os neófitos prestarão seus serviços na comunidade situada mais próxima ao domicílio do estudante, ou diferente disso, em locais que forem do interesse do governo. O autor da proposta é o deputado federal Rodrigo Valadares (União-SE). Segundo o nominado legislador, o intuito é preparar para o mercado de trabalho e diminuir a estatística dos “nem estuda, nem trabalha”. Em segundo plano, mas de modo algum desimportante, o projeto autoriza estudantes que se formaram em instituições privadas pelo Programa de Financiamento Estudantil (FIES) a quitarem seus débitos com a União, por meio de serviços prestados. De fato, estamos diante de uma boa ideia, bem melhor que a caninha 51. Ficar ocioso, logo após a diplomação acadêmica, pode vir a ser não só um desestímulo, mas mais grave do que isto, a perda de conexão com a área de saber na qual o estudante se empenhou. Além disso, essa vacatio laboralis ofusca a noção de que todos os saberes, ou a maioria deles, se vincula a uma aplicação prática, exercida por meio de uma profissão. Uma vez aprovada a iniciativa legal, a novel legislação surtirá o efeito desejado, seja ele, infundir no estudante um senso de praticidade e pragmatismo. Senso este, não só focado na percepção de uma remuneração pelo valor do seu trabalho, o que não é pouco, contudo, mais do que isto, a compreensão de que todo trabalho traz consigo um valor social. O legislador merece ser parabenizado pelo teleologismo da norma que será posta em vigência, caso aprovada: resta demonstrado que as universidades não existem para elas mesmas, elas têm o dever de servir à coletividade. O aluno formado avulso, o que deu conta de concluir os estudos superiores, e migra para outra espécie de trabalho, sem relação com sua formação, retrata a não consubstanciação de uma identidade. Ele não pertence àquela área a que se dedicou. E isso envolve não só êxito de aproveitamento, mediante aplicação de avaliação, mas relacionamentos emocionalmente significativos com pessoas que militam na área. A ideia de colocar esses formados no seio de comunidades carentes é ótima: ali, onde falta quase tudo, é o ambiente mais propício para fazer a diferença, e é disso que os jovens adultos precisam. Eles querem ver a si mesmos como os protagonistas da transformação do mundo. A brasa fora do brasil logo se apaga. O ser humano, Aristóteles já o dissera, é um ser gregário. Devemos evitar a dispersão antes que ela ocorra. O que atribui sentido a tudo o que fazemos é a qualidade dos contatos que firmamos com outras pessoas. Nosso lugar não é no deserto, mas no ecúmeno. Se o sal não prestar mais para salgar, para que ele servirá? Não é assim que está nas Sagradas Escrituras? O tripé da universidade é o ensino, pesquisa e extensão. A redação do anteprojeto abre uma porta estratégica em termos de realizabilidade da extensão, como preconizada nas políticas para a educação. Colocar um ser humano numa sala de aula, dos quatro anos de idade até a conclusão do curso superior, é uma grande ideia. No entanto, é preciso que haja uma continuidade. Do contrário, parecerá que todo o roteiro para pouco serviu. Sempre haverá, por exemplo, pessoas formadas em administração, direito, medicina ou engenharia, ignorando suas próprias habilitações, para serem baristas ou camareiras; como sempre haverá periféricos, da escola pública, sem recursos e sem apoio, que darão um xou no vestibular e na universidade. Entrementes, se esse projeto tomar corpo de lei, haverá de contemplar os medianos, justamente a grande faixa de pessoas mais suscetíveis à influência de políticas públicas estatais sociais. Conveniente, oportuna, bem motivada e tempestiva a proposta.