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Blumenau não merecia isto!

Dias atrás, um mentecapto – e a maneira como eu qualifico o autor da conduta já revela a interpretação que realizo do fato – adentrou no espaço educacional infantil, de uma unidade de Blumenau, e ceifou a vida de quatro crianças pequenas e feriu outras mais. O médico e criminologista francês Alexandre Lacassagne (1843-1924) dizia […]

Por Israel Minikovsky 13 min de leitura

Dias atrás, um mentecapto – e a maneira como eu qualifico o autor da conduta já revela a interpretação que realizo do fato – adentrou no espaço educacional infantil, de uma unidade de Blumenau, e ceifou a vida de quatro crianças pequenas e feriu outras mais. O médico e criminologista francês Alexandre Lacassagne (1843-1924) dizia que “toda sociedade tem os criminosos que merece”. Claro, o amável leitor já percebe que, esta assertiva, se choca com o título do artigo. Primeiro, pontuo que não é simples fazer a transposição de um discurso teórico da arena acadêmica para a coloquial, sobretudo quando o autor é de outra época. Fiel à sua formação, com concentração em ciências biológicas, Lacassagne dizia que o meio social é o caldo de cultura da criminalidade, sendo o delinquente um mero micróbio que não tem qualquer importância enquanto não encontra a cultura que provoca a sua multiplicação. É certo que, ninguém quis a morte do seu filho, neto ou sobrinho. E nem seria ético, responsabilizar as próprias vítimas ou suas famílias. O que quero pontuar é que os processos que formam a psique, individual e coletiva, são predominantemente inconscientes. O bolsonarismo, além de ser uma linha política, é uma cultura. Essa cultura carrega em si elementos como incitação à exibição ostensiva e uso de armas, violência e intolerância. O bolsonarismo não é ruim só porque é de extrema-direita. Qualquer extremidade é má em si mesma por radicalizar uma tendência, qualquer que seja ela. Outro modus vivendi que se disseminou foi o anti-intelectualismo. Ora, o ser humano pode e deve pensar. Ele precisa pensar. O triste episódio na comunidade blumenauense mostra o resultado da irreflexão. O cenário político brasileiro passa uma visão distorcida sobre fama, coragem e afirmação da individualidade. Naturalizou-se o sofrimento do outro, como meio de autopromoção. Transformar a escola numa fortaleza, com cobertura integral de câmeras de monitoramento, vai ajudar, mas o mais importante é a prevenção. A pergunta que devemos formular é esta: o que representa status e prestígio social (para o adolescente)? Sim, porque a grande mudança tem de ser cultural: devemos convencer os adolescentes de que o que dá “plateia” é ser ético e engajado com o bem comum. Nada pode render mais visualização, do que promover uma sociedade justa e ecológica. Precisamos montar uma “cesta de valores”, pegando um mote da liturgia católica que celebra neste período o tempo pascal. Ninguém consulta a extensão da pena antes de delinquir. Digo isto, porque depois do que aconteceu, muitas pessoas foram às redes, defender pena de morte. Quando o legislador diz “se cometeres A ficarás sujeito a uma pena que varia de x a y” ele não está argumentado, ele está apenas alertando. Quem estudou lógica, sabe do que estou falando. Contudo, o alerta não deixa de ser um arranjo racional. Entretanto, chacinas, como a que aconteceu em Blumenau, giram em torno de aspectos irracionais. Muito bem acertada se mostrou a remodelação dos canais de mídia, que resolveram não divulgar a imagem e o nome dos protagonistas destas situações, pois a pequena e rápida notoriedade é o que parece mover estes sujeitos. O fenômeno mostrou que o poder público está sendo instado a atribuir maior atenção e recursos à saúde mental, individual e coletiva. Muito foi dito que “é muito plano e pouca ação”. Sem embargo, penso que a ocorrência requer e recomenda, muito, muito planejamento. Principalmente porque a ação se mostrou sem grandes avisos prévios, rápida e aleatória, o que acentua a dificuldade da evitação do incidente, sendo maiormente desafiada a inteligência de especialistas e autoridades.