Bola 8 – parte III: o capital social
Walter Marcos Knaesel Birkner sociólogo No artigo “A bola oito – parte II: o capital humano”, afirmei que a atração que Santa Catarina exerce atualmente não é uma onda. É resultado de sua história e tem a ver com a difusão da informação boca a boca e estatística acerca de inúmeros índices de desenvolvimento. É […]
Por O Brasil como nos parece 24 min de leitura
Walter Marcos Knaesel Birkner
sociólogo
No artigo “A bola oito – parte II: o capital humano”, afirmei que a atração que Santa Catarina exerce atualmente não é uma onda. É resultado de sua história e tem a ver com a difusão da informação boca a boca e estatística acerca de inúmeros índices de desenvolvimento. É isso que atrai investimentos e pessoas. E atribuímos os bons índices ao nosso capital humano, o melhor do Brasil, segundo o CLP – Centro de Liderança Pública. Agora, responderemos à pergunta subsequente, qual seja: de onde se origina nosso capital humano?
Em 1861, o jovem aristocrata russo Piotr Kropotkin resolveu abandonar a vida fácil que o berço lhe proporcionara e se alistar no exército do Czar Nicolau. Ali despertava o talento político e intelectual de quem se tornaria ativista, geógrafo, filósofo e uma referência intelectual, tanto ao anarquismo, quanto à biologia evolutiva. Foi como soldado alistado que resolveu servir na Sibéria, o lugar mais frio e inóspito da Europa da época.
Kropotkin foi o autor de Apoio mútuo: um fator de evolução. O livro apresenta uma notável crítica aos darwinistas sociais, em geral adeptos da ideia da luta sangrenta pela vida como causa da evolução humana. No prefácio da edição espanhola, o prefaciador lembra que o trabalho fora o resultado dessa experiência na Sibéria. Ao observar a condição de dificuldades dos camponeses siberianos, Kropotkin teria se perguntado: afinal, o que explica a sobrevivência dessas pessoas?
Em situações diferentes, mas essencialmente também humanas e coletivas, a pergunta pode ser transmutada do drama à fortuna, sem alterar a virtude da resposta. Se perguntarmos o que explica o desenvolvimento do Oeste catarinense, longe da influência do poder estatal, ou perguntarmos por que, apesar de tantas tragédias naturais, as cidades do Vale do Itajaí demonstram tamanha capacidade de superação e desenvolvimento? A resposta será a mesma a que Kropotkin chegou: é a cooperação, elemento constitutivo do capital social.
É claro que vale enaltecer a força de vontade dos indivíduos. Superar as dificuldades e a instabilidade do trabalho no campo, assim como reerguer-se de ciclones, tornados, enxurradas e enchentes, requer força de vontade. Não obstante, é mais que um comportamento individual e instintivo, é uma vontade moral, fruto de uma cultura comunitária de quem não espera que alguma solução caia do céu ou venha de Brasília.
Cultura é coisa séria e vai muito além da arte, da culinária ou da ilustração: ela conforma o etos de um povo. Pode fazer com que os indivíduos se envergonhem ou se orgulhem do lugar onde vivem e ou de onde vem. Nietzsche, o filósofo da potência humana afirmava que “onde não há orgulho de ser, não há o que fazer”. Cultura funciona como energia psíquica e produz o capital social, capaz de reerguer montanhas, construir e reconstruir escolas, bibliotecas, empresas e cooperativas.
Falando em cooperação, faço lembrar: em 2018, o segundo município com maior número de cooperados no Brasil era São Paulo, uma cidade com mais de 12 milhões de habitantes. Era de se esperar que no ano corrente já estivesse em primeiro lugar. Entretanto, matéria do Informe Blumenau, de 01 de setembro de 2022, já no título indicava “Blumenau, a cidade com mais cooperados do Brasil”.
E isso pode ser confirmado no Portal do Cooperativismo de Crédito que atualiza a informação, dando conta de que mais 270 mil, de 70% dos 380 mil blumenauense são cooperados. No top ten do Brasil, aparecem mais três catarinenses: Joinville, Chapecó e Itajaí. E na lista das 50 cidades mais cooperadas do Sul brasileiro aparecem desde Jaraguá do Sul até Concórdia, Videira e São Bento do Sul, entre as 21 cidades catarinenses das 50 do Sul.
Aí o camarada se interessa um pouco mais e encontra o Anuário do cooperativismo informando que que o Brasil já tem mais de 10% de sua população vinculada a alguma cooperativa, seja de crédito, de consumo, do agronegócio, da saúde e assim por diante. É o bom exemplo sendo replicado desde uma cultura comunitária. Essa cultura é constituída por laços de solidariedade, associativismo, confiança mútua, diálogo, civismo e cooperação, em outras palavras, é feita de capital social.
Em 2015, matéria do Diário Catarinense sobre o cooperativismo apresentava o ranking dos quatro estados em número de cooperados do Brasil: Pela ordem: São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Há apenas oito anos atrás, Santa Catarina já era o primeiro em proporcionalidade, porque, mais que todos os outros estados, cerca de 35% dos catarinenses eram cooperados. E nada menos do que 11% do PIB catarinense é produzido pelo cooperativismo. Perceba-se o quanto a cultura pode gerar riqueza material. É isso que o capital social faz.
Agora não se surpreendam, porque apenas oito anos depois, o ranking do anuário coloca Santa Catarina em primeiro lugar. E não é apenas proporcionalmente, mas quantitativamente. O estado catarinense registrou no ano de 2022 o número de 3.925.000 cooperados. Isso representa nada menos do que 53% de sua população, ultrapassando o Rio Grande do Sul, com 3.350.000 (31% dos gaúchos), e que também ultrapassou o estado de São Paulo, com 3 milhões de cooperados (6% dos paulistas). Vale conferir: https://anuario.coop.br/brasil/cooperados
Ora, essa é mais um componente na trajetória do desenvolvimento catarinense, composto pelo seu capital humano. E esse capital humano é resultado do capital social, o mesmo que explica o alto índice de desenvolvimento do norte da Itália, da Alemanha, ou ainda, da Ucrânia ou da Polônia, país em que, atualmente, 10% do PIB é gerado pelo cooperativismo. Não por acaso, foi desses países que vieram a maior parte dos colonos que Dom Pedro II assentou no Sul pela pequena propriedade e que geraram o capital social que explica nosso capital humano.
Por essa razão insistimos na metáfora que dá título a este artigo. Não são fatores de ocasião que explicam o cenário favorável de desenvolvimento de Santa Catarina e que atrai mais e mais investimentos e pessoas. É a sua história, construída pela labuta do seu povo, que explica seu poder de atração e crescimento. É o que nos autoriza a insistir, por translação, que não se trata da “bola da vez”. Por força do seu capital social, Santa Catarina é a “bola oito”, aquela que é a almejada e que determina quem vence o jogo e segue liderando o campeonato.