Chacina yanomami: e eu com isso?
A questão indígena, no Brasil, já recebeu, ao menos, três tratamentos teóricos: uns propunham assimilação forçada e integral à civilização, outros defenderam assimilação gradual ou programática e, por fim, surgiu quem defendesse o absoluto extermínio, desesperançosos da possibilidade de fusão. Hoje é mais ou menos pacífico o entendimento de que os indígenas têm o direito […]
Por Israel Minikovsky 12 min de leitura
A questão indígena, no Brasil, já recebeu, ao menos, três tratamentos teóricos: uns propunham assimilação forçada e integral à civilização, outros defenderam assimilação gradual ou programática e, por fim, surgiu quem defendesse o absoluto extermínio, desesperançosos da possibilidade de fusão. Hoje é mais ou menos pacífico o entendimento de que os indígenas têm o direito de viver como sempre viveram, antes da ingerência transcontinental. O evento noticioso, dos últimos dias, foi esse: os yanomamis, sobretudo crianças, foram vítimas de desnutrição, decorrente de insegurança alimentar. Em 2022, mais de uma centena de crianças foi a óbito por esta circunstância. Segundo consta, formalizaram-se 21 denúncias ao Poder Judiciário, mas ainda assim, as providências não foram tomadas. Essa insegurança alimentar reflete a prática de desmatamento e garimpo em terras de titularidade indígena. A sucessão de episódios escabrosos não é a única coisa que me espanta. Ante a divulgação destas informações ao público em geral, há quem reaja da seguinte maneira: “essa gente não serve para nada ao país, não trabalha, não agrega riqueza econômica, não recolhe imposto, gera demanda e, consequentemente, custos aos equipamentos públicos, como os de saúde e de assistência social, enfim, um aglomerado de imprestáveis”. Bem, vamos lá, por partes, segundo a ordem dos merismas. A situação de bem ou mal-estar dos povos indígenas, nos remotos rincões de nossa pátria, é o óstraco vivo a exibir o cuidado que estamos ministrando a um dos nossos mais fabulosos patrimônios, que é a Floresta Amazônica. Os índios são da floresta, e a floresta é deles. Quanto ao modus vivendi desprendido e espontâneo dos indígenas, argumento que, senão sempre, mas na maioria dos casos, eles batem à porta das repartições públicas quando, antes disso, nós, “os brancos”, inoculamos instabilidade no seio destas comunidades. Inobstante tudo o que eu já disse, esse momento se me afigura como oportunidade ímpar de consignar que não somos nós, os seres humanos, que existimos para as coisas, do contrário, elas existem e devem estar dispostas aos nossos direitos e interesses. Nunca podemos perder de vista a hierarquia das prioridades. O governo fascipata que viu o malogro nas urnas, no último pleito, entrega à civilização brasileira este legado: múltiplos genocídios de escalas diversas, cuja magnitude ou amplitude oscila de uma centena (yanomamis) a centenas de milhares (covid-19). A mesma rebelião demoníaca elege como alvo de destruição, de vidas humanas em situação de vulnerabilidade, a relógio da família real do século XVII no Distrito Federal. Tudo o que é santo, venerável, justo, bom e desejável, é deplorado por essa manada ensandecida e atiçada. Se, entretanto, tudo o que aqui foi dito não lhe sensibiliza, alerto que ainda há pessoas com ética no mundo. O descaso com os povos tradicionais abala a imagem do país, podendo refletir-se em sanções comerciais e financeiras. O fato de essa matéria participar das primeiras preocupações políticas do governo recém-empoderado me traz profunda paz de espírito. Tenho a noção exata de que fiz coisa certíssima no sufrágio anterior. Humanidade e solidariedade são luz!