Civilização: como se faz e como se desfaz
Visitando uma tribo indígena nalguma parte remota de nosso Brasil, um antropólogo percebeu que a referida comunidade tinha o hábito de mudar o seu local de fixação, de tempos em tempos, devido à oferta de recursos de cada lugar. Isto explicaria porque as ocas não eram projetadas para durar um século, pois os indígenas poderiam […]
Por Israel Minikovsky 14 min de leitura
Visitando uma tribo indígena nalguma parte remota de nosso Brasil, um antropólogo percebeu que a referida comunidade tinha o hábito de mudar o seu local de fixação, de tempos em tempos, devido à oferta de recursos de cada lugar. Isto explicaria porque as ocas não eram projetadas para durar um século, pois os indígenas poderiam acolher tecnologia “branca” que lhes oportunizasse essa factibilidade. As condições edáficas e tecnológicas dizem alguma coisa, mas não tudo, quando o problema mirado é a durabilidade da engenharia civil ameríndia. As ocas ou cabanas, segundo relato dos autóctones, duravam de três a seis anos, de acordo com o tipo de madeira empregado no trabalho. Basicamente, estes domicílios eram feitos de ripas cobertas de palha de palmeira. O cacique foi objetivo: as casas são construídas de tempos em tempos porque, assim, todos participam e aprendem a edificar. Sugerindo, com toda razão, e sem precisar conhecer a lógica de Aristóteles, que num lugar onde as construções duram cem anos ou mais, a maior parte das pessoas não sabe como se constrói uma habitação. A participação popular nos processos eleitorais dá menos trabalho, mas cumpre a mesma função. Desde o iluminismo nós passamos a ter uma visão exageradamente otimista da história. Acreditamos que estamos caminhando, em ascendente ininterrupto, para um planeta cada vez melhor, mais desenvolvido e feliz. Contudo, alerto o amável leitor de que a civilização pode, sim, sofrer paradas e regressos. A civilização, como um carro, pode avançar, parar ou dar marcha à ré. Os cientistas sociais e outros intelectuais, atentos a esta possibilidade, trataram de criar um conjunto de meios voltados à promoção e defesa da civilização em si mesma. E aqui entra o papel do Estado e das instituições jurídicas. Nós estamos sendo bombardeados com mensagens de que o que temos a fazer é desmantelar mesmo o Estado, porque ele para nada serve e só nos atrapalha. A tal reforma administrativa que voltou a ser o alvo de discussões consiste em desestruturar pilastras importantes de suporte à civilização. Não fosse a máxima gravidade da cassação da estabilidade dos servidores públicos, o que equivaleria a um furacão numa zona residencial altamente habitada, porque assim a continuidade das políticas seria reduzida a pó e só teríamos inexperientes nos cargos, ainda nos deparamos com outros acentuados males. Todas as vagas públicas seriam convertidas em cabide de emprego para cabos eleitorais, consumando a detestável prática da “rachadinha”, ou seja, o camarada se sujeitaria aceitar o cargo dividindo ou entregando a maior parte dos seus vencimentos para quem o pôs lá dentro. A bandalheira e corrupção que menciono não são nada quando comparadas ao dano social que, deste estado de coisas, advirá à população: desatendimento total em saúde, assistência social e educação. Achatamento salarial em ambas iniciativas, pública e privada, nenhuma oferta de serviço por parte do Estado, e aquilo de que mais precisamos por valores monetários exorbitantes, fora do alcance na situação econômica da massa do povo. O que está em jogo não é esquerda ou direita. Se você está indignado com desinformação e troca de farpas entre políticos de diferentes vieses, lembre-se de que o mais importante cabe a Vossa Senhoria, caro eleitor, a civilização depende da sua decisão. Não utilizemos a urna para consumar o pior vandalismo da história do nosso país: a destruição do Estado Democrático Brasileiro, com todas as suas conquistas. O aqui e agora não é um paraíso, no entanto, evoluímos muito. Depredar o que se construiu não vai trazer benefício algum, porque não é assim que as coisas se resolvem. Quando estivermos na ardência ígnea oriunda de nossa insanidade, já tarde, descobriremos para que serve o Estado e seu funcionalismo, mas aí…