Conselho para quem?
Dias atrás, certo ministro de confissão religiosa, denominável de “protestante”, verbalizou aos seus asseclas que não enviem os próprios filhos à universidade. De acordo com a liderança religiosa, o ensino superior teria o poder de desencaminhar espiritualmente os estudantes. Toda fala é dotada de intencionalidade. A que propósito um conselho desse jaez atende? A indagação […]
Por Israel Minikovsky 16 min de leitura
Dias atrás, certo ministro de confissão religiosa, denominável de “protestante”, verbalizou aos seus asseclas que não enviem os próprios filhos à universidade. De acordo com a liderança religiosa, o ensino superior teria o poder de desencaminhar espiritualmente os estudantes. Toda fala é dotada de intencionalidade. A que propósito um conselho desse jaez atende? A indagação é potencializada quando é consabido que o mesmo conselheiro mantém os próprios filhos em excelentes universidades estrangeiras. Sendo assim, o que ele recomenda aos filhos dos outros, não aplica na própria casa. O movimento religioso no Brasil, consistente nessa onda neopentecostal, recebe forte apoio dos norte-americanos. Quando o Brasil ainda não havia experimentado as gestões do Poder Federal pelas equipes de esquerda, estávamos lá na casa das duas mil teses de doutorado ao ano. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos da América produziam duzentas mil teses de doutorado em igual período. Atendo-se a uma lógica como esta, embora os fatos aqui descritos sucedam o pensador alemão em apreço, é que Karl Marx chamaria a religião de “o ópio do povo”. É um tipo de religião que não liberta, mas aliena a consciência das pessoas e legitima o poder das elites. Historicamente, o que se vê são os cleros das igrejas buscando silenciar cientistas e pessoas do saber, no entendimento de que um conhecimento não teológico seja sempre uma afronta à verdade da fé. A história testemunhou cientistas atacando a religião e a religião atacando a ciência. Essa contradição performativa de instar a que o outro proceda segundo a minha fala, e não consoante o que faço, mesmo que haja flagrante contradição entre a dicção e o fazer, deveria ser um argumento moral suficiente para descredibilizar o sujeito discursante. Sou contra desqualificar aquele que não pensa como eu penso. Porém, no presente caso, é o próprio debatedor que se desqualifica. Olhando para trás, percebo que minhas cinco graduações (filosofia, direito, pedagogia, teologia e ciência da religião) não me induziram a apostatar da fé. Diferente disso, hoje tenho uma visão mais esclarecida e mais firme do que vem a ser religião, cristianismo, espiritualidade. Inculcar na cabeça do outro que o conhecimento é desviante, espelha um desejo enrustido, que de tão forte começa a ficar nítido e bem expresso, de dominar sobre o público a quem se endereça o sermão. A lógica da oposição deve ser substituída pela lógica da complementaridade. A doutrina do Mestre Jesus é clara: “Vocês sabem que os governantes das nações as dominam, e as pessoas importantes exercem autoridade sobre elas. Não será assim entre vocês. Ao contrário, quem quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo, e quem quiser ser o primeiro deverá ser servo dos demais, tal como o Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em favor de muitos” (Mt 20, 25-28). Francis Bacon dissera que “saber é poder”. No entanto, o cristão deveria lidar com esse empoderamento com a maior naturalidade possível. Adquirir conhecimento é um caminho para servir com excelência. O evangelista Billy Graham alertara sobre o ter muito conhecimento sem sabedoria, isto é alto risco. Malgrado, onde encontrar tal sabedoria senão nas páginas da autêntica Palavra de Deus? Se queremos que os homens do conhecimento sejam, também, os homens da sabedoria, porque esperar que os detentores do conhecimento se aproximem da sabedoria, quando nós, que fizemos a experiência da sabedoria, também podemos buscar o conhecimento? Se, conforme apregoa o reverendo ministro, a universidade é um lugar sem Deus, ou contrário a Ele, vejamos esta passagem: “Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão sobre ela” (Mt 16, 18). Nós, os cristãos, estamos arrombando as portas e levando a mensagem do Evangelho! Não temos que nos esquivar da universidade. Devemos ingressar nela e, conosco, levar o Senhor Jesus! Algo profano só se mantém profano enquanto não é santificado. Nossa missão não consiste em fugir do mundo, mas em evangelizar o mundo. Precisamos resgatar o que estava perdido. As lideranças eclesiásticas são seres humanos, e aprendemos com elas em seus acertos e desacertos. Na caminhada da igreja militante vamos marchando e buscando. Quando formos igreja triunfante todas as incompletudes terão sido superadas. Luz!