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Criminalização da infância promovida por Milei

Sem escrúpulos

Por Cleverson Israel 17 min de leitura

Depois de se envolver em um escândalo relacionado à comercialização de criptomoedas, induzindo massivamente cidadãos à bancarrota, Javier Milei, para compensar a perda política que sofrera com o caso, deu uma viragem populista consistente em criminalizar a infância. Segundo a proposta do chefe do Executivo Central argentino, a idade limite para imputabilidade penal baixaria de 16 para 10 anos. A sugestão despertou dura reação da parte de quem milita na seara jurídica, e de todos quantos são capazes de prever as consequências nefastas da eventual aprovação de um projeto legislativo nessa direção. Um dos argumentos manejados pelos críticos da ideia lançada ao ar, objetivando resguardar os infantes, apelou para o baixo percentil de cometimento de delitos por pessoas potencialmente abarcadas pela inovação legal. De fato, estatisticamente, poucos são os casos em que o infrator (com o perdão da obsolescência do termo) se acha compreendido entre 10 e 16 anos. Essa metodologia de observação e mensuração é significativa para o sociólogo. Todavia, para o filósofo, a questão é credora de máxima apreciação, ainda que, em hipótese, tivesse se concretizado uma única ocorrência, e só ela. O que pega, não é o volume das ocorrências, mas como referendar a demanda da melhor forma possível. Posso afirmar com segurança que, uma pessoa compreendida pela faixa etária que se estende dos 10 aos 16 anos, não possui desenvolvimento mental completo. E mesmo que ela possa discernir o verdadeiro do falso, o certo do errado, nem sempre consegue conduzir-se segundo este entendimento, e é incapaz de prever todos os desdobramentos morais de sua conduta desvalorosa. O governo que desinveste em educação é, precisamente, o mesmo que recrudesce o direito penal e que agrava os percursos judiciais de quem figura na relação processual como alvo da persecução estatal. A lógica é sempre lançar a responsabilidade aos ombros dos cidadãos privados. O Estado é mero fiscal, aplicador cego de uma lei desconectada da vida. O Estado não oferece nada, mas se o administrado infringir uma norma, a ele sobrevirá amarga inflição. É um modelo de Estado que não garante, ele comina. Por que alguém tão jovem, e, por decorrência, tão inexperiente, praticaria um homicídio? Ao invés de estar delinquindo, ele não deveria estar numa sala de aula? Quando um adolescente comete um ilícito, temos de considerar o seguinte: antes de cometer o ilícito, ele foi exposto a relações caóticas, e esta foi a sua primeira condenação; na sequência, como consectário lógico do antecedente, ele cometeu a infração administrativa, e essa foi a sua segunda condenação; a terceira condenação é o que vem sendo proposto por Milei, exigir responsabilidade de adulto para quem ainda não no é. Em todos os três casos, o autor dos episódios não escolheu livremente o que fizera, pesaram contra si as condições objetivas do ambiente social. É lamentável que a maior figura de autoridade de uma nação, no plano temporal, tenha de pisar sobre a cabeça de seres humanos, como se fossem objetos, em fase de desenvolvimento, fitando a permanência no cargo. Nenhum estadista tem o direito de se servir da infância, do contrário, o Estado leva consigo o dever de ofertar os melhores serviços em prol da infância. Está havendo uma inversão entre meios e fins. Não precisamos de aves de rapina, precisamos de mulas de carga. Serviço público é sinônimo de trabalho, e não de ganho fácil. Do ponto de vista da eficácia, cuja meta seria o desalento da prática de ilícito, o atingimento do escopo seria irrisório ou absolutamente nulo. A previsão legal cominando apenamento não bloqueia ou desincentiva conduta alguma para quem é desconhecedor contumaz das leis. Esta constatação é parcialmente verdadeira para adultos, e plenamente verdadeira para o contingente a respeito do qual tecemos estas alíneas. É triste saber que uma gestão de quatro anos fará dano na vida das pessoas por décadas, e, não é de se duvidar, por gerações. Tantos trabalhos acadêmicos e estudos foram realizados sobre a primeira infância, nas mais diversas disciplinas, desde psicologia até economia, entre os quais identificamos diversos nobelizados, e agora vem um governo ignorante e acéfalo, para fazer exatamente o contrário daquilo que as melhores vozes recomendam. Falta, a Milei, conhecimento, experiência, rendimento intelectual, competência, tato, sensibilidade social, senso de realidade, ética, caridade e temor de Deus. O “vinde a mim” de Jesus Cristo é substituído pelo “ide ao cárcere” de Javier Milei. Quem tem razão? Um governo justo e legítimo é aquele que ousa ser consumido pelo zelo que fomenta aos pequeninos. Sim, um governo comprometido com a infância é de muita luz!