Crioulização e religião
No plano linguístico, por “crioulo” se entende a variante dialetal que mescla elementos do idioma alóctone, o do colonizador, e o autóctone, o falante do vernáculo local. Dessa vez, contudo, não é à linguagem que quero aludir. Nos primórdios, “crioulo” era o filho de ambos os pais espanhóis nascido em América. Esse uso foi corrente […]
Por Israel Minikovsky 15 min de leitura
No plano linguístico, por “crioulo” se entende a variante dialetal que mescla elementos do idioma alóctone, o do colonizador, e o autóctone, o falante do vernáculo local. Dessa vez, contudo, não é à linguagem que quero aludir. Nos primórdios, “crioulo” era o filho de ambos os pais espanhóis nascido em América. Esse uso foi corrente nas antigas colônias que hoje correspondem a países latino-americanos de fala castelhana. No Brasil, a noção é inversa: ela abarca o filho nascido de pais heteroétnicos. A crioulização seria, pois, um processo de mestiçagem, que é concebido pela sociologia como estratégia de sobrevivência, mas que, a despeito do suposto rompante, traz consigo o trauma coletivo. A mescla de elementos geneticamente variados acarreta uma série de consequências, dos mais plúrimos matizes. De início, percebe-se um sincretismo e um ecletismo em praticamente todos os campos da existência. E a religião não fica fora disso. Sem embargo, enfatizo a realidade de que, nesse contexto, a religião não é tanto uma perspectiva intelectual, mas a expressão de sentimentos e vínculos afetivos. A dificuldade de eleger uma tradição religiosa como melhor, e preterir outra, expressa a dificuldade de abraçar um único amor. A religião seria mais relacionamento e vivência do que dogma e doutrina. Estas revelações, observáveis na vida de todos os indivíduos, dos mais anônimos aos notáveis, explicariam a permanência das visões de mundo, na maioria, religiosas, e, para o bem culto, resta claro que é perda de tempo querer extinguir ou ampliar os horizontes de uma tradição religiosa da noite para o dia. Como nem todo cidadão é bacharel em direito, ainda que o Brasil desponte nisto, acaba que é por conta da religião que os valores da coletividade são comunicados das gerações anteriores às posteriores. Isto, por si só, já justificaria o sermos tolerantes para com as religiões, na medida em que elas cumprem este importante papel. Amar o próximo é amar o diferente. Bem compreendido, o cristianismo é essa religião universal, acima das perspectivas unilaterais, dentro de que seriam promovidos todos os entendimentos úteis ao bem da humanidade. É por isso que a Igreja Católica, por exemplo, defende a promoção do ecumenismo. O cristianismo é o judaísmo perfeito, acabado e consolidado, e em sua maturidade é vertido para fora, ou dito de outro modo, “de saída” ou extrovertido. O que era tesouro exclusivo do povo hebreu é colocado ao alcance de todos os povos, nações, raças e línguas. Do judeu passa-se ao grego e ao romano, e, do Mediterrâneo, é encetado para todas as direções do globo. Por isso mesmo, essa discussão não se presta à América Latina somente, ou ao hemisfério meridional. É uma experiência espiritual e missionária constante. Aprofundar essa discussão tem o poder de revisitar as Sagradas Escrituras à luz do entorno. Não só a Igreja Católica, embora majoritariamente ela, mas outras denominações legitimamente cristãs, são gestoras de redes de universidades e faculdades ao redor do mundo. Eu penso que essa estrutura deva ser usada para derrubarmos as divisórias que apartam o teólogo do sociólogo, a título de especificidade. Todavia, defendo essa postura na mais abrangente generalidade. Parto da premissa de que, quando o homem se entende, ele deduz que o caminho é buscar a Deus. Doutro viés, quem muito cultiva o relacionamento com Deus, logo chega à conclusão de que ser sal da terra e luz do mundo passa por compreender o mundo, antes de influir sobre ele. Depois do próprio Deus, o homem é a maior curiosidade para ele próprio. Por óbvio! Somos imagem e semelhança do que há de mais majestoso. A nossa tarefa, destarte, consiste na busca da vontade do Criador, otimizando o meio pelo qual ela será instrumentalizada, isto é, nós mesmos, o objeto epistêmico das ciências sociais e, no fundo, de todas as ciências. Fazendo isto, compreenderemos o propósito do princípio de tudo, e a razão por que cá estamos. Trilhar esse percurso, vos garanto, será uma via mui luminosa!