Crueldade no ambiente laboral
Em 10 de abril do corrente ano (2024) a 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) apreciou um recurso oriundo do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Paraná. A ação foi proposta em Araucária, figurando no polo ativo da demanda uma teleatendente da Telefônica Brasil S. A., pessoa jurídica esta, que passou a integrar […]
Por Israel Minikovsky 16 min de leitura
Em 10 de abril do corrente ano (2024) a 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) apreciou um recurso oriundo do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Paraná. A ação foi proposta em Araucária, figurando no polo ativo da demanda uma teleatendente da Telefônica Brasil S. A., pessoa jurídica esta, que passou a integrar a respectiva lide, na qualidade de reclamada. A reclamante alegava que era sistematicamente desestimulada e, até proibida, de ir ao banheiro em horário de expediente. As idas ao banheiro impactavam negativamente o Prêmio de Incentivo Variável (PIV). Quem já degustou um bom livro de História sobre o período da Antiguidade, conhece os requintes de crueldade que nossos ancestrais punham em andamento. Uma das técnicas, por exemplo, consistia em amarrar o pênis do prisioneiro, dado que, a impossibilidade de urinar, matava a vítima em questão de horas. Congestionar ou saturar o sistema urinário faz colapsar todo o organismo. O pouco consumo de água, e a infrequente ida ao banheiro, traz uma série de consequências negativas à saúde humana, como cálculos renais, dentre outros. Impedir o funcionário de usar o banheiro é opressão, crueldade e tortura. É um procedimento que, em longo prazo, prejudica a saúde e pode levar até à morte. Na alimentação encontramos os nutrientes de que precisamos, mas nela também estão contidas toxinas, que devem ser eliminadas pela urina, sob pena de comprometer o equilíbrio químico do corpo. Se existisse o bom senso, não precisaria haver o direito. Se em acordo coletivo consta cláusula assegurando meia hora de uso do banheiro, sempre haverá aquele que, em nome do tal direito, leva jornal à latrina para “enforcar” trinta minutos. O trabalho não existe apenas para que aufiramos renda. Ele se presta à edificação de nossa dignidade. E a praxe em análise é uma afronta ao colaborador. Se o que os empregadores querem é produtividade e trabalho de qualidade, creio que, para atingir essas metas, é fundamental o bem-estar físico e psicológico daquele que atua no empreendimento como funcionário. O postergamento da satisfação das necessidades fisiológicas tira a capacidade de concentração e deprime o indivíduo, esteja ele no local de trabalho, ou em outro local, com a mesma restrição. O ser humano submetido a esta degradante condição de trabalho é inferiorizado ao patamar de algo menos do que uma máquina. Quem, em sã consciência, deixaria queimar uma máquina cara por negligenciar sua manutenção e por não exaurir os resíduos do seu funcionamento, a ponto de ocasionar perda total de seu valor de uso? Pois é assim, por mais absurdo que isto seja, que estão fazendo com seres humanos. Metaforicamente, uma “máquina” mais preciosa do que todas as demais. Essa “máquina” não é feita de cabos, parafusos e engrenagens, mas de cérebro, coração, músculos, ossos, nervos, etc. Essa “máquina” tem endereço, família, amigos, cônjuge, vizinhos, religião, filosofia de vida, sentimentos, emoções, cultura e história. Se o funcionário quer ir ao banheiro, o que se deve fazer? A resposta é simples: se ele for operador de máquina, desligue-se a máquina, ou pause-se, momentaneamente, a mesma. Quem não pode ser “desligado” é o ser humano. Meus rins não podem parar porque falta tempo para ir ao banheiro. Não posso parar de respirar e nem pode, o meu nobre coração, parar de bater em nome do interesse econômico x ou y. No caso em comento, a reclamante recebeu indenização, por danos morais, correspondente a R$ 10 mil. Sinceramente? O Julgador se mostrou bem modesto. Eu ampliaria a dosimetria da indenização. Saúde não tem preço. É um bem de valor inestimável. Ao lado da natureza, do trabalho e do conhecimento, o capital é um fator indispensável para o crescimento econômico de uma sociedade. Mas ele precisa ser domesticado. A deixadez nessa área pode malferir o patrimônio mais valioso de um país, os seus cidadãos, os seus compatriotas. O mundo continua sendo dominado por biliardários. Não havendo pulso firme em relação a eles, corre sério risco até mesmo a soberania dos Estados-nações. Brasil não é a casa-da-mãe-joana, aqui existem regras para quem pretende empreender, a começar pelo respeito à natureza e ao ser humano. É o dinheiro que existe para o ser humano, e não o inverso disso. Direito trabalhista é luz!